A polêmica e a judicialização dos concursos públicos – Correio Braziliense – 02.12.13

Hoje, dia 02.12.13, foi publicado duas matérias interessantes no Correio Braziliense, da lavra de Bárbara Nascimento…

As duas matérias abordam a polêmica envolvida na discricionariedade, quase que absoluta, da administração pública na definição e elaboração dos editais dos concursos públicos e ainda a dificuldade de acesso às vagas reservadas, por lei, aos deficientes.

Resolvi postar as matérias (abaixo), especialmente a que trata do acesso dos deficientes aos cargos públicos, pois o meu tema de pesquisa da monografia é nesta área. Os argumentos e dados expostos por Bárbara Nascimento corrobora o que tenho verificado na prática (e na pele) ao tratar/estudar este assunto…

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Reserva de vagas para deficientes gera discordâncias

Aprovado em quatro seleções, o pedagogo Rodrigo Silva teve laudos médicos favoráveis em apenas duas delas ( Foto: Ed Alves/CB/D.A Press )

Do ranking de itens de edital que geram mais polêmica na Justiça e no Ministério Público Federal (MPF), a cota para pessoas com deficiência está entre os líderes. Apesar de os certames com mais de três vagas serem obrigados, por lei, a reservar entre 5% e 20% das oportunidades para esse público, essa determinação muitas vezes é desrespeitada, além de haver indefinições e discrepâncias nos próprios editais.

O pedagogo Rodrigo Maycon Brandão Silva, 25 anos, por exemplo, tem em mãos um laudo que comprova a deficiência dele — tem pé chato congênito, uma falha na estrutura óssea dos pés. Aprovado em quatro seleções organizadas pela mesma banca, ele enfrentou, porém, diferentes avaliações na hora de fazer o exame médico.

No Ministério Público da União (MPU), ele garantiu nota a um cargo de nível médio e noutro para graduados. Ao ser avaliado pela junta médica, Rodrigo foi confirmado como deficiente para a vaga de técnico, mas reprovado na outra. Rodrigo sabe que não pode prestar concursos para a área de segurança pública, nos quais a condição dele é tida como fator incapacitante. “Mas nada me impede de trabalhar como analista ou técnico”, ressalta.

Antes disso, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), banca organizadora da prova do MPU, já havia aprovado o pedagogo como deficiente em outro certame, dos Correios, onde Rodrigo trabalhava até o mês passado. “Depois, prestei um outro concurso, para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), elaborado pela mesmo empresa, e não fui avaliado como deficiente”, lembra.

A justificativa do Cespe ao recurso impetrado pelo candidato (no caso do TJDFT) é de que “as alterações (no corpo) apresentadas não produzem dificuldades para o desempenho das funções”. Rodrigo indigna-se. “Que bom que minha deficiência não apresenta impossibilidade para que eu exerça a profissão. Não é esse o objetivo?”, indaga. Segundo a Lei nº 8.112/90, a reserva é permitida desde que as atribuições exercidas sejam compatíveis com a deficiência.

O subprocurador-geral da República Francisco Rodrigues, da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão, explica que a justificativa não é válida sob o ponto de vista do MPF. “Se o argumento é apenas esse, não apresentar dificuldades, isso não impediria a banca de aceitá-lo. Até porque, se eu só for admitir alguém que tenha uma deficiência que implique dificuldades em exercer a profissão, há casos em que esse fator pode impedir completamente a pessoa de assumir o cargo”, explica.

Normas tênues

Os concursos se baseiam no Decreto nº 3.298/99 para determinar quais deficiências serão aceitas. Para as auditivas, por exemplo, apenas perdas iguais ou superiores a 41 decibéis são consideradas. No caso das visuais, são cegos os que têm acuidade visual menor do que 0,05. As pessoas com baixa visão, entre 0,30 e 0,05, e campo visual dos dois olhos inferior a 60 graus (veja quadro) também não podem ser assim “classificadas” do ponto de vista do certame.

Há casos menos unânimes, no entanto. Os surdos de um único ouvido, por exemplo, não são tidos como deficientes. Pelo menos é o que diz o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em jurisprudência recente. O TJDFT, no entanto, não concorda e caracteriza o item como deficiência. No caso da visão monocular, o STJ reconheceu, por meio da Súmula nº 377, que quem enxerga com apenas um dos olhos pode concorrer às cotas.

O Cespe/UnB afirmou que se baseia no Decreto nº 3.298/99 e na súmula do STJ para avaliar o que é deficiência. Além disso, afirmou, por meio de nota, que “a deficiência deve ser atestada em laudo médico de especialista ou por meio de exame clínico feito por banca médica instituída para esse fim. Os candidatos que se declaram com deficiência são, ainda, submetidos à perícia médica promovida por equipe multiprofissional, caso a etapa esteja a cargo do Cespe/UnB”.

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Editais de concursos geram brechas e polêmicas na Justiça

95% dos processos relacionados a concursos no MPF levados a acordo se referem a editais

Cristiano Silva coleciona reclamações de certames dos quais participou. Calendário confuso é uma delas ( Foto: Ed Alves/CB/D.A Press )

Apesar de ser elaborado como um guia para que o candidato oriente os estudos e saiba das exigências do cargo e do concurso público de interesse, os editais têm sido sinônimo de dor de cabeça para milhares de pessoas. Confusos e cheios de restrições, eles muitas vezes contêm informações ambíguas, interpretadas conforme os interesses dos órgãos contratantes. O portal da transparência do Ministério Público Federal (MPF) revela: 95% dos procedimentos extrajudiciais — ou seja, solucionados por meio de acordos — relacionados às seleções se referem a editais. Entre os processos judiciais (que vão a julgamento) e inquéritos policiais que tratam do tema, 83% são sobre o documento.

Os problemas, segundo os especialistas, são vários e entopem, além do MPF, os tribunais. Não à toa, uma série de jurisprudências já existe quando o assunto é certame público. “As organizadoras querem beneficiar os contratantes e não levam em consideração os direitos que os candidatos têm. Falta informação precisa nos editais”, afirma o professor Ernani Pimentel, um dos fundadores da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac).

À falta de clareza se somam, por exemplo, falhas na divulgação do cronograma e a cobrança, nas provas, de conteúdo não citado no edital. “O que percebo é que, muitas vezes, a banca pega um índice do livro e copia no edital. Nem tudo que colocam cai. Além disso, o inscrito é surpreendido por matérias que sequer contavam no documento”, diz o professor Tiago Pugsley, do IMP Concursos.

Nesses casos, o subprocurador-geral da República Francisco Rodrigues, da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão, explica que a atuação do MPF fica reduzida, à medida que se trata de uma questão de interpretação. “A clareza pode até não ser suficiente, mas muitas vezes não dá para culpar a banca porque é uma questão de nuances, que fazem com que as pessoas não consigam entender o que está sendo exigido”, explica.

Única forma de contatar as bancas organizadoras, o recurso não costuma, porém, ser muito eficiente. As empresas, segundos os especialistas, se limitam a reforçar o que está no edital e se negam a flexibilizar qualquer norma. Além disso, há casos em que nem sequer elas respondem.

Após três anos fazendo provas de concursos, o analista Cristiano Silva, 27 anos, já se indignou por diversas vezes com os editais. No último, da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), ele enumerou falhas variadas. “Os candidatos se perdem com os prazos. A banca pede uma bateria de exames e só avisa em cima da hora o prazo para que sejam entregues. Se os fazemos com antecedência, podem expirar. Faltam datas para quem é de outros estados se programar”, ressalta.

“O conteúdo cobrado é outro fator que sempre resulta em problema. Eles dão temas muito abrangentes e, frequentemente, o candidato não acha uma bibliografia sobre o assunto. Se querem escolher matérias gerais, poderiam, pelo menos, sugerir os autores de referência. É melhor direcionar o candidato para que ele se prepare melhor”, completa. A Fundação Universa, organizadora da seleção da PMDF, afirmou que o cronograma está sendo divulgado a cada etapa e que “cumpre rigorosamente as normas editalícias estabelecidas pelos órgãos contratantes”.

Esses não são, no entanto, os primeiros problemas em certames que Cristiano enfrenta. Em 2011, ao fazer a seleção para praça do Corpo de Bombeiros do DF, ele se machucou pouco antes o dia da prova e foi reprovado. “Sofri uma queda e fiquei impossibilitado de andar. Compareci ao exame mesmo assim e expliquei a minha situação. Levei laudos e fotos e me disseram que, se não o fizesse, seria eliminado”, lembra. Diante da situação, tentou. “Não consegui, é claro. Cheguei a entrar na Justiça, mas o juiz negou a liminar.”

Segurança

Nos concursos para cargos de segurança pública, como voltados à contratação de policiais ou bombeiros, a situação é ainda mais complicada. O teste físico e a exigência de uma série de exames são sempre alvo de polêmica. Além disso, os fatores que determinam que um candidato é incapaz de exercer o cargo incluem até mesmo dentes cariados, segundo mostra o último edital para a PMDF.

As provas de esforço físico, geralmente, são questionadas pelas mulheres. Elas costumam ir à Justiça para conseguir o direito de fazer a barra com pegada livre e de forma estática, sem fazer flexões (veja quadro). Tanto o Ministério Público quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já admitiram, em diversos casos, que as alterações fossem feitas ou, ainda, que o teste fosse suspenso.

No caso das grávidas, há uma jurisprudência do STJ que permite que tenham tratamento diferenciado e façam posteriormente os exames físicos. O relatório de um processo já julgado pelo tribunal apontou que “a proteção constitucional à maternidade e à gestante não só autoriza, mas até impõe a dispensa de tratamento diferenciado à candidata sem que isso importe em violação do princípio da isonomia”. A concorrente, no entanto, não pode deixar de comparecer a nenhuma das etapas.

Essa pauta também foi controversa no certame da PMDF, lembra Cristiano. Apesar de as grávidas terem sido dispensadas do teste físico, o edital não detalhava nada em relação à realização de exames, que incluíam raios X,   contraindicados para gestantes. A Fundação Universa explica que a culpa está nas leis referentes ao assunto. “O caso das candidatas grávidas que participaram do concurso da PMDF é um exemplo: a legislação determina que a etapa do exame de aptidão física seja feito até 120 dias após o parto, mas não versa sobre outras etapas, como a dos exames médicos.”

Para o advogado Max Kolbe, membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), o grande problema está na falta de legislação específica para seleções públicas. “É um copia e cola danado ”, resume.

Manual da dor de cabeça

Feitos para ser um guia dos concursos, os editais são campeões de denúncias no Ministério Público Federal (MPF).

Queixas / As principais reclamações são:

» Falta de clareza na elaboração dos itens ou

no cronograma e cobrança de conteúdo fora do edital Nesses casos, o melhor é tentar, primeiramente, esclarecer o ocorrido com a banca, por meio de recursos. Não é comum que o Ministério Público intervenha na interpretação do edital.

» Teste físico

No caso das mulheres, a polêmica é sempre grande. O MPF já chegou a acionar a Justiça para garantir, em concursos como o da Polícia Federal, que as candidatas ao cargo que não conseguiram fazer a barra pudessem repetir o exame com pegada livre e de forma estática, apenas se mantendo suspensa, sem fazer flexões.

» Questões relativas à reserva de vagas para pessoas com deficiência

Por lei, elas têm cotas nos certames. A reserva pode variar de 5% a 20%.

É considerada deficiência*, segundo a Lei nº 3.298/99:

» Física : alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física;

» Auditiva : perda bilateral, parcial ou total de 41 decibéis ou mais.

» Visual : casos em que a “acuidade visual” é inferior a 0,3 no melhor olho, com a melhor correção óptica, além daqueles nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60 graus;

» Mental : fundamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, como comunicação, cuidado pessoal e habilidades sociais.

*A surdez unilateral não é considerada deficiência pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), diferentemente dos que possuem visão monocular, que podem assumir como PNE.

» Fontes: Editais, Lei nº 3.298/99, STJ, MPF

Bárbara Nascimento – Do Correio Braziliense

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