#03 – Teoria do Crime – Adriano Costa – 18/02/18 – Turma I

Professor: Adriano Costa (Delegado da Polícia Civil do Estado de Goiás)

O conterrâneo Delegado Adriano Costa ministrou uma excelente aula sobre a TEORIA DO CRIME, com riqueza de detalhes e aprofundamento. Possui vasto conhecimento no assunto e uma didática ‘goiana’ de ser. Consegui entender um pouco mais sobre esses conceitos, institutos e teses, demasiadamente abstratos no direito penal. Abaixo consta algumas poucas anotações, dos pontos mais relevantes da aula:

Causal Naturalismo > Neokantiano > Finalismo > Funcionalismo > Ação Significativa

– Evolução (Causal Naturalismo -> Teoria Psicológica / Neokantismo -> Teoria psicológica-normativa / Finalismo -> Teoria normativa pura).

– Apesar de algumas tendências para outras teorias e sistemas (principalmente em leis especiais recentes e artigos que foram inseridos no código penal posteriormente) o arcabouço penal brasileiro adota, majoritariamente, a teoria finalista do crime (fato típico, ilícito e culpável).

– Sistema Ontológico (ôntico): as coisas são como são na vida real (sem valoração). A realidade só precisa ser observada, sem juízo de valor. SER -> Observar e descrever.

– Sistema Deontológico (deôntico): se preocupa também como deveria ser. Há uma valoração, um juízo de valor.

– Conceito analítico de crime: é um conceito didático e científico que visa à explicar o que é crime por meio da análise dos seus elementos integrantes. Alguns doutrinadores dividem o conceito de crime em dois, três e até quatro componentes. O teoria adotada pelo Brasil, que é o finalismo, é tripartida (fato típico, antijurídico e culpável). 

– As várias teorias que surgiram (e continuam surgindo) para tentar explicar o crime (e o direito penal), se alternam (dependendo da época e do doutrinar) entre três concepções (DESCRITIVAS, SUBJETIVAS e NORMATIVAS) dando mais ou menos importância para cada uma destas (mas todas as três coexistem, a diferença é que uma prevalece sobre as demais):

– Descritiva / Objetiva: mundo do SER.

– Subjetiva: está na cabeça do agente.

– Normativa / Axiológica (valorativa): precisa de uma valoração de uma 3ª pessoa (julgador).

1. CAUSAL NATURALISMO

“Teoria causal da ação (naturalista), nessa teoria a ação nada mais é que um resultado causal, pois ela aborda duas partes, a externa que é objetiva representando o processo causal e a interna que é subjetiva representando o conteúdo final da ação. A base do sistema é o nexo causal que une a ação que resulta em uma mudança do mundo exterior e sempre que estivesse presente uma ação deveríamos analisar, se temos a presença das outras características do conceito do crime: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. As características do comportamento humano que devem integrar a estrutura do conceito de crime seriam a ação como algo natural (movimento corporal), tipo objetivo e descritivo, antijuridicidade objetiva e normativa e a culpa subjetiva e descritiva. A teoria causal não diferencia a conduta dolosa da conduta culposa, pois não releva qualquer indagação sobre a relação psíquica do agente para com o resultado.”

– Trata-se da primeira teoria do crime, que surgiu no final do século XVIII em contraponto a falta de objetividade científica do que até então era empregado…

– Antes o que se prevalecia era o misticismo, o abuso dos monarcas e imperadores, a responsabilidade penal era objetiva (sem dolo ou culpa), faltava cientificidade, era um direito ‘penal amador’… 

– Esse sistema (causal naturalismo, Liszt Beling ou Clássico) foi desenvolvido por Franz Von Liszt e Ernst Von Beling. Possui características ontológicas (ser). Foi o primeiro sistema objetivamente científico.

– Inicialmente Liszt concebeu o sistema apenas com dois substratos, o INJUSTO PENAL e a CULPABILIDADE. Depois Beling ‘melhorou’ o sistema e acrescentou a TIPICIDADE (Tatbestand – nome dado ao acréscimo da atipicidade).

– O dolo e a culpa se encontram na CULPABILIDADE (para se evitar a responsabilização objetiva). A Culpabilidade adota o teoria psicológica. Nesta teoria, o dolo e a culpa são as formas de liame entre o autor do fato e o resultado naturalístico (por isso esse sistema é denominado causal-naturalístico).

– Dolo  culpa são formas de culpabilidade (formas de vínculo).

– Na teoria psicológica da culpabilidade a imputabilidade é pressuposto para a aferição do dolo/culpa – ‘é como se doido não tivesse vontade’.

– Teoria psicológica: dolo e culpa são FORMAS de vincular o autor do fato ao resultado, mas para analisar esse vínculo, deve-se partir de um pressuposto (algo anterior), a análise da IMPUTABILIDADE (essa teoria foi desenvolvida por Heinhard Frank).

– Ilicitude material (antijuridicidade material): é a análise sobre a danosidade social (ofensividade) a conduta frente ao bem jurídico protegido no ordenamento pátrio.

A teoria da “ratio cognoscendi” e a dúvida do juiz sobre as excludentes de ilicitude – Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel

“Sobre a relação (ou o grau de relação) entre o fato típico e a ilicitude formaram-se várias correntes doutrinárias, com repercussões práticas no âmbito processual, especialmente, na questão do ônus da prova e do princípio do in dubio pro reo . Dentre as teorias referidas podemos destacar:

a) Teoria da autonomia ou absoluta independência pela qual a tipicidade não tem qualquer relação com a ilicitude, de tal sorte que ocorrido o fato típico, não se pode afirmar que ele é presumidamente ilícito, ainda que seja uma presunção relativa (isso ocorreu no tempo do causalismo e, sobretudo, na construção de Beling, em 1906);

b) Teoria da indiciariedade ou da “ratio cognoscendi ” pela qual se há fato típico, presume-se, relativamente, que ele é ilícito; o fato típico é o indício da ilicitude (Mayer, 1915), que deve ser afastada mediante prova em contrário, a cargo (leia-se ônus) da defesa. Ao contrário da primeira corrente, não há aqui uma absoluta independência entre esses dois substratos do crime, mas uma relativa interdependência;

c) Teoria da absoluta dependência ou “ratio essendi “: cria o conceito de tipo total do injusto, levando a ilicitude para o campo da tipicidade. Em outras palavras, a ilicitude é a essência da tipicidade, numa absoluta relação de dependência entre esses elementos do delito. Não havendo ilicitude, não há fato típico (Mezger, 1930);

d) Teoria dos elementos negativos do tipo: tem o mesmo resultado prático da teoria anterior, embora com ela não se confunda (como, aliás, faz parcela da doutrina), porque construída sob bases diferentes. Por essa teoria, o tipo penal é composto de elementos positivos ou expressos (que são as clássicas elementares do tipo penal) mais elementos negativos ou implícitos do tipo (causas excludentes de ilicitude). Para que o fato seja típico os elementos negativos – excludentes de ilicitude – não podem existir. Aqui também há uma absoluta relação de dependência entre fato típico e ilícito, um pressupondo a existência do outro (Merkel etc.).

Pois bem. No Brasil, em que pesem entendimentos em contrário, a doutrina e a jurisprudência majoritárias ainda se inclinam pela segunda das teorias apontadas, qual seja, a teoria da indiciariedade ou da “ratio cognoscendi ” (que foi ratificada, posteriormente por Welzel). Em termos práticos, significa afirmar que ocorrido o fato típico, ele é presumidamente ilícito (presunção relativa). Por essa teoria não é ônus da acusação provar a inexistência de causa excludente de ilicitude, mas tão somente que o fato é típico. Cumpre à defesa provar a existência da descriminante e, portanto, a licitude do fato típico e, consequentemente, a inexistência de crime.”

2. NEOKANTIANO

“O Neokantismo alterou a concepção causalista de culpabilidade, onde não mais seria um vínculo psicológico (Teoria Psicológica) estabelecido pelo dolo ou pela culpa entre o agente e o fato praticado, mas sim algo além dessa concepção física: inserindo a exigibilidade de conduta diversa, fundamentando esta linha de raciocínio jurídico na coação moral irresistível, onde mesmo com a verificação de dolo (elemento subjetivo), inexiste punição.”

– Também conhecido como sistema neoclássico, surgiu com o propósito de corrigir a objetividade excessiva do Causal-Naturalista. É um sistema deontológico (valorativo). A culpabilidade passou a adotar a teoria normativa (Berthold Freudenthal), acrescentando a ‘exigência de conduta diversa’.

3. FINALISMO

“Teoria final da ação, criada por Welzel acredita que a conduta é o comportamento voluntário e consciente dirigido a um fim, ação representa, portanto uma conduta final e não casual. A finalidade aborda que graças à casualidade do homem ele pode prever as consequências de seus atos e dirigi-los conforme um plano previamente arquitetado, sendo assim, o finalismo não abandonou o causalismo, somente o inovou a medida que lhe foi acrescentando o elemento finalidade e isso fez com que o dolo e a culpa migrassem da culpabilidade para a tipicidade, pois a finalidade da ação (dolo) que dirá se o caso é grave ou irrelevante penalmente. O finalismo retirou o dolo (elemento subjetivo) e a culpa (elemento normativo) da culpabilidade, antecipando a análise desses dois elementos para dentro do tipo penal. Assim temos uma subjetivação do injusto e uma dessubjetivação e normativização da culpa.”

– Com a transferência do dolo e da culpa para o fato típico, a culpabilidade ‘ganhou’ a chamada POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE, onde incide a teoria dos erros. Onde o indivíduo não tem plena consciência do que está fazendo; imagina estar praticando uma conduta lícita, quando na verdade, está a praticar uma conduta ilícita, mas que por erro, acredite ser inteiramente lícita.

– Erro de tipo – ‘eu não acredito que uma elementar do tipo penal está presente – mas ela está’ – possui vontade e consciência e erra sobre uma elementar.

– Erro de tipo invertido – ‘eu acho que uma elementar está presente, mas ela não está’. Delito putativo (imaginário) por erro de tipo. Não pratica crime. Exemplo: acha que está atirando em alguém, mas é um boneco. 

– Erro de proibição – ‘eu acho que a minha conduta é lícita, mas ela é ilícita’ – Exemplo: Holandês que carrega consigo drogas pelas ruas do Brasil achando que é legal, visto que no seu país de origem, essa conduta é legal’.

– Erro de proibição invertido – ‘acha que está praticando o fato ilícito, mas é permitido’. Delito putativo por erro de proibição.

– Valorações paralelas na esfera do profano: sucintamente quer dizer que mesmo sem ter conhecimento jurídico (esfera de profano) o agente sabe que a sua conduta é errada e viola algum dispositivo penal. Está ligada a potencial consciência da ilicitude, que surgiu quando do desmembramento do dolo normativo. Em que a potencial consciência da ilicitude permaneceu no substrato da culpabilidade e o dolo natural (ou incolor) se deslocou para o substrato do fato típico.

– Causas excludentes da ilicitude:

Injusto x Justo -> Legítima Defesa

Justo x Justo -> Estado de Necessidade

– Commodus discessus: quer dizer que no Estado de Necessidade deve-se procurar a alternativa mais cômoda, no sentido de menor ofensividade.

4. FUNCIONALISMO

“Acreditam que a construção do sistema jurídico-penal não deve vincular-se a dados ontológicos (ação, causalidade, estrutura lógico-reais, entre outros), mas sim orientar-se exclusivamente aos fins do direito penal. Na teoria finalista a estrutura da teoria dos delitos ficou com o tipo sendo formulado através do princípio da legalidade e sua função é a prevenção de delitos, motivando assim que o autor seja punido pela sua ação independente da sua situação, os tipos passam a ser analisados através do fim da lei, na tipicidade também serão analisados os requisitos que imputam objetivamente o resultado. A partir dessa teoria o tipo penal passa a ter dimensões subjetivas, objetivas e normativas, portanto a tipicidade penal tornou-se uma “fórmula” mais complexa, precisamos analisar o aspecto formal-objetivo, normativo (conduta e resultado) e subjetivo nos crimes dolosos. Na imputação da conduta é preciso verificar se a conduta criou ou incrementou o risco proibido relevante, pois, quem cria risco permitido não pratica fato típico. De acordo com essa explicação, a imputação objetiva é o novo requisito da tipicidade.”

– No funcionalismo há três correntes:

– Teleológico: Claus Roxin – Munich – Alemanha – 1970 – A função é proteger os bens jurídicos mais caros à sociedade. (bem jurídico espiritualizado ou liquefeito – transpõe o indivíduo, por exemplo, meio ambiente, saúde pública…).

– Sistêmico ou Radical: Günther Jakobs – Bohn – Pouco importa o bem jurídico, o direito penal tem uma função importantíssima, a de não deixar a norma ser descumprida. (não é compatível com o princípio da insignificância ou bagatela – violou  a norma, toma porrada!).

– Reducionista: Raul Zaffaroni – Argentina – Reduzir as funções coercitivas do Estado. O Estado policial deve ser contido (só se os bons jurídicos forem realmente importantes). Trabalha com o conceito de tipicidade conglobante ou antinormatividade conglobante (o que uma lei veda a outra não pode permitir e vice-versa).

– Antes mesmo de se analisar dolo e culpa o nexo de causalidade (causa – efeito) pode sofrer mitigações.

– Teoria da (não) imputação objetiva: a essência dessa teoria é afastar a responsabilização antes da análise do dolo e da culpa.

causalidade: causa -> efeito

imputação: responsabilização

– Teoria da (não) imputação objetiva

– Afasta a tipicidade. Não precisa analisar dolo/culpa.

– Roxin (não incremento do risco proibido) – Empurrar o surdo, que sofre lesões. Para não ser atropelado por um caminhão.

– Jakobs (papel social – reafirmação da norma):

– Não incremento do risco proibido (quando se está exercendo regularmente seu papel social não há que se imputar nada diferente do que o papel que é exercido (Exemplo: passageiro pega um Uber e informa ao motorista que está indo matar a sogra, mostra a arma e detalha o plano. O motorista do Uber não tem nenhuma obrigação tomar alguma providência, afinal é apenas o motorista e esta cumprindo o seu papel).

– Proibição do regresso;

– Princípio da confiança (um precisa confiar no que o outro vai fazer, pois todos seguem as normas – se um maluco pula de um viaduto sobre um carro, o motorista do carro não pode ser responsabilizado por nada).

Resumo da teoria da (não) imputação objetiva:

– Visa retirar os rigores do nexo de causalidade (mas sim a tipicidade), que é extremamente objetivo (causa e efeito);

– Não afasta o nexo de causalidade. É um juízo que se aplica antes mesmo da análise do dolo/culpa;

– Foi defendido por dois grandes precursores do finalismo (Gunter Jakobs e Claus Roxin);

– Jakobs traz uma elaboração mais aprofundada de sua tese, apontando como axiomas: não incremento do risco proibido, proibição do regresso e o princípio da confiança;

– Roxin apresenta como axioma síntese o não incremento do risco proibido;

– Ressalta-se que Roxin defende que o Direito Penal deve proteger os bens jurídicos, já Jakobs defende que a função primordial do Direito Penal é a proteção da própria norma (por isso não cabe se falar em aplicação do princípio da insignificância na teoria de Jakobs).

5. AÇÃO SIGNIFICATIVA

“Elaborada por Vives Antón, a teoria da ação significativa tem suas bases estabelecidas na filosofia da linguagem de Wittgensein e na teoria da ação comunicativa de Habermas. Propõe uma nova análise conceitual da conduta penalmente relevante, com fundamento em princípios de liberalismo político, unindo ação e norma para a fundação da liberdade de ação. Nesta perspectiva, entende-se a ação como o significado do que as pessoas fazem, e não simplesmente como o que as pessoas fazem. Há, na ação penalmente relevante, um sentido a ser interpretado segundo as normas, razão por que é necessário, mais do que descrevê-la, compreendê-la. Não há, portanto, um modelo prévio e generalizado de ação humana na medida em que esta deve ser analisada à luz de seu significado, concretamente, portanto. E também por isso, havida uma conduta, tem-se, inicialmente, apenas uma aparência de ação, primeiro passo para que se possa buscar seu significado. Ainda de acordo com esta teoria, a ação só existe em razão da norma. Se há o ato de “matar” é porque a norma estabelece, antes, a definição do que se entende por homicídio. Sem a norma previamente estabelecida não haveria, portanto, significado para a ação.”

– Possui base teórica na Espanha. Prega que nada está posto, tudo é construído. As condutas são construídas. Os significados são construídos.

– Adota o conceito analítico quadripartite (pretensão da relevância, pretensão da ilicitude, pretensão da reprovação e pretensão da necessidade de pena).

– Não se importa com elementos subjetivos, necessita dessa questão das valorações sociais sob a relevância da conduta frente ao tipo penal incriminador. Leva em consideração o significado. Muita valoração.

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