Carcereiros – Dráuzio Varella

S I N O P S E

Esta obra procura contar histórias de funcionários de prisões. Drauzio Varella acompanhou a vida destes trabalhadores e busca expor de dentro  o funcionamento dos presídios brasileiros. Apresenta, assim, uma rebelião pelos olhos de quem tenta contê-la. A descoberta de que um colega está do lado dos bandidos. Um momento de solidariedade, outro de egoísmo. Um ato heroico e ouro de covardia. Pretende apresentar desta forma o cotidiano dos carcereiros.

VARELLA, DRAUZIO Nasceu em São Paulo, em 1943. É médico cancerologista, formado em 1967 na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Autor do livro ‘Estação Carandiru’.

Novo Drauzio mostra que carcereiros são também cativos

Para quem vê o muro de um presídio pelo lado de fora, é opaco o que se passa em seu interior. Dentro de celas que muitas vezes não conseguem comportar o elevado número de detentos, as pessoas dormem, fumam, conversam, planejam fugas, ameaçam companheiros, fazem amigos. Mas este não é o único cativo no ambiente opressor das cadeias. Há também um que não necessariamente cometeu algum crime e que, ao final do dia, pode ganhar os portões e alcançar a liberdade.

Vinte anos após o massacre que deixou mortos 111 presos na Casa de Detenção de São Paulo conhecida como Carandiru, o médico Drauzio Varella revisita o mundo do crime pelos olhos de quem está do lado de fora das grades e tem como função guardar ou administrar presídios. No recém-lançado Carcereiros (Companhia das Letras, 232 páginas, 33 reais), escrito treze anos após o lançamento de Estação Carandiru, o médico retrata o cotidiano de um período de dez anos na Casa de Detenção.

Apaixonado por cadeias desde criança, quando ouvia fascinado dramalhões sobre criminosos no rádio, Varella começou a atender voluntariamente no Carandiru em 1989. Com a demolição da Casa de Detenção em 2002, ele passou a atuar na Penitenciária do Estado e, depois, chegou a ser voluntário no Centro de Detenção Provisória da Vila Independência e na Penitenciária Feminina da Capital.

Nos primeiros meses no Carandiru, foi recebido com festa pelos detentos, que respeitavam e agradeciam o socorro médico, e com desconfiança pelos carcereiros, que temiam a aproximação de um “alienígena” propenso a causar problemas por não conhecer o funcionamento e a organização interna de um presídio. Não à toa, Drauzio deixou de ser visto como um estranho quando passou a atender também os empregados, além de acompanhá-los nos bares das redondezas do presídio.

Era na mesa de bar que os funcionários contavam as histórias agora reunidas em Carcereiros. Isso se conseguissem encontrar tempo, já que a maioria enfrentava jornada dupla em mais de um emprego para complementar a renda. Muitos vinham dos bairros mais pobres de São Paulo e, sem qualificação técnica para buscar outra atividade, acabavam prestando concurso para as casas de detenção. Quando eram admitidos, não recebiam nenhum tipo de treinamento para executar o serviço. Quase nenhum estava lá porque queria – assim como aqueles que estavam atrás das grades.

No presídio, todos são regidos pelas leis próprias do local, que envolvem negociações com os detentos para que brigas e rebeliões sejam suprimidas, além de trocas de favores entre carcereiros e presos e suborno. Por outro lado, a honestidade de uns pode inspirar quem está encarcerado, caso de um detento que disse a Valdemar Gonçalves, encarregado do Departamento de Esportes do Carandiru, que, se tivesse conhecido um homem como ele antes, talvez não terminasse no crime.

O livro de Drauzio Varella faz pensar: num mundo quase paralelo, criminosos e funcionários são esquecidos pela sociedade, interessada em ver bem longe aqueles que causaram algum mal a ela. A violência é reinante e aqueles que dão entrada nos presídios quase sempre alcançam a liberdade mais violentos do que quando entraram. E os carcereiros são, no mínimo, atormentados pelos perigos que vivem, pelos colegas que perderam e por toda uma vida no lado de fora, que, por um período de oito horas todos os dias, não existe para eles.

Meire Kusumoto

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Uma resposta para Carcereiros – Dráuzio Varella

  1. Marcos Paulo disse:

    Terminei a leitura deste fascinante livro hoje, 28.01.13, e pude constatar além da cruel realidade dos ‘presos às avessas’, em regime semi-aberto (os carcereiros, ao contrário dos presos comuns neste tipo de regime, trabalham durante o dia e dormem em suas casas a noite), a capacidade do Dr. Dráuzio Varella de expor este delicado ‘microcosmo’ de uma forma atenuada e real.

    “O lema lugar de bandido é na cadeia é vazio demagógico. Não temos nem teremos prisões suficientes. Reduzir a população carcerária é imperativo urgente. Não cabe discutir se somos a favor ou contra: não existe alternativa. Empilhar homens em espaços cada vez mais exíguos não é mera questão de direitos humanos, é um perigo que ameaça a todos nós. Um dia eles voltarão para as ruas.” Trecho do livro Carcereiros, pg. 201.

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