Para entender Kelsen – Fábio Ulhoa Coelho

downloadaEditora: Saraiva

Autor: FÁBIO ULHOA COELHO

Origem: Nacional / 2001

Número de páginas: 74

Este livro foi sugerido/indicado pela professora Altair, da cadeira de Introdução ao Direito, quando da aula extra do dia 24.09.11. Ocasião em que se iniciou a abordagem do Positivismo Jurídico.

R E S U M O

Introdução e Metodologia

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise central do livro “Para entender Kelsen” de Fábio Ulhoa Coelho. Este livro nos mostra questões de relevante importância na teoria kelseniana, a influência do positivismo no direito e o ardente desejo de tornar a ciência jurídica em uma ciência de fundamentos arraigados no mundo jurídico com um método de análise e pesquisa voltado tão-somente para o estudo do direito.

Vale ressaltar o belo prólogo de Tércio Sampaio Ferraz Jr. que com perfeição pontua pontos fundamentais da obra e vida de Kelsen.

Para entender Kelsen é um livro dotado de um didatismo e de um poder de síntese excepcionais, por isso decidimos detalhar o livro pelo tema norteador dos capítulos. Usaremos o sistema de descrição do assunto tratado, comentários (quando necessários) e citações do livro texto. As notas de rodapé, quando não explicitada a fonte, referir-se-ão ao livro texto.

CONCEITOS BÁSICOS

1. Princípio metodológico fundamental

O método proposto por Kelsen é um método que se baseie exclusivamente na norma posta. Ao cientista do direito não cabe preocupar-se com os fatores que levaram esta norma a ser posta. Estes fatores pertencem a outras ciências que não a jurídica; podem pertencer a sociologia, a psicologia, filosofia, etc., mas não a ciência jurídica.

Também não é função do cientista do direito o sistema de valores adotado ao se erigir uma norma, nem os valores envolvidos na sua aplicação.

O objeto da ciência jurídica é o próprio direito, por isso deve a ciência jurídica investigar questões concernentes ao seu objeto, não desviando-se em uma interminável quantidade de outras ciências. O método a ser utilizado deve buscar compreender o direito em si, retirando influências de outras análises.

“A pureza da ciência do direito, portanto, decorre da estrita definição de seu objeto (corte epistemológico) e de sua neutralidade (corte axiológico)”. [1]

2. Sistema estático e sistema dinâmico

O sistema estático compreende as normas jurídicas como reguladoras da conduta humana. Os temas abordados por este sistema são “(…) a sanção, o ilícito, o dever, a responsabilidade, direitos subjetivos, capacidade, pessoa jurídica, etc. (…)”. [2]

Para Kelsen, o sistema jurídico é essencialmente dinâmico, i.e., ele adota a perspectiva de estudo da norma em seu processo de produção e aplicação normativa. Os temas tangidos pela teoria dinâmica dizem respeito a “(…) validade, unidade lógica da ordem jurídica, o fundamento último do direito, as lacunas, etc.”. [3]

3. Norma jurídica e proposição jurídica

Sinteticamente, podemos dizer que a norma jurídica emana da autoridade competente, enquanto a proposição jurídica procede de estudiosos, que dão seus pareceres a respeito de determinadas normas. A norma jurídica prescreve, a proposição descreve; a norma jurídica é, em última instância um ato volitivo, já a proposição jurídica é advinda de um ato de conhecimento; a norma é válida ou inválida, enquanto a proposição é verdadeira ou falsa.

4. Norma hipotética fundamental

Toda norma tem seu fundamento de validade arraigado em outra norma hierarquicamente superior. Entretanto, quando se perquire o fundamento de uma norma qualquer até a última instância chega-se sempre a Constituição, e onde buscaria a Constituição sua validade? A resposta é: na Norma Hipotética Fundamental – uma ficção kelseniana para calar o regresso “ad eternum” que dessa busca de validade decorreria.

O autor também cita a nebulosa teoria da primeira Constituição histórica, que seria derivada de um processo revolucionário, sendo, portanto, a Norma Hipotética Fundamental de tal Constituição a revolução na ordem jurídica. Disso decorre que a Norma Hipotética não é uma norma posta, mas suposta; é muito mais uma questão de fé do que de ciência.

5. Positivismo

Para a teoria pura, toda e qualquer ordem jurídica positiva é válida. Entretanto o autor deste opúsculo demonstra a imprecisão científica desta palavra-expressão e a mudanças sofridas pelo conteúdo semântico através do tempo.

Kelsen dá valor apenas ao conteúdo normativo, diz que a função da ciência jurídica é descrever a ordem jurídica, não legitimá-la. Enfim, para Kelsen, é o Direito, em última instância, Direito posto, positivado. Quer seja pela vontade humana (positivismo), quer seja por uma vontade transcendente, supra-humana (jus-naturalismo).

TEORIA DA NORMA JURÍDICA

6. Estrutura da norma jurídica

Decompondo a estrutura das normas jurídicas temos:

Estrutura: proibitiva;

Antecedente: conduta ilícita; e

Consequente: punição.

Para Kelsen todas as normas jurídicas, mesmo as mais abstratas resumem-se nesta tríade. “Toda a norma jurídica pode ser compreendida como a imposição de uma sanção à conduta nela considerada” . [4]

Também, vale a pena ressaltar que a norma jurídica tem caráter impositivo, cogente, portanto normas que não possuem atos de coerção são normas que dependem das que os possuem.

“(…) Todas as normas jurídicas podem ser descritas como a prescrição de imposição de penalidade contra certa conduta”.

7. Validade e eficácia

A norma jurídica é válida se tem intrínseca relação com a Norma Hipotética Fundamental ou se é emanada de poder competente. Some-se a estes dois fatores a necessidade que tem a norma de possuir um mínimo de eficácia.

Validade e eficácia se identificam, complementam-se, entretanto não são sinônimos.

Quando ocorre uma ineficácia mais ampla da norma e, até mesmo, em todo o ordenamento jurídico, então ocorreria uma inversão de ilicitudes, uma revolução no mundo jurídico.

O que invalida a norma fundamental é uma revolução fática [5], não um mero ato legislativo.

Para que a norma seja válida são necessários três requisitos:

a. Competência da autoridade proponente da norma;

b. Mínimo de eficácia; e

c. Eficácia do ordenamento do qual a norma é componente.

8. Sanção

É a consequência normativa da violação do preceito primário. Kelsen entende o Direito como ordem social coativa, impositiva de sanções. É justamente na coação que a norma jurídica difere-se da norma moral.

Portanto a sanção é elemento intrínseco ao Direito, pois sem ela, as normas jurídicas transformar-se-iam em normas morais, tão-somente aprovando ou desaprovando uma conduta, não podendo assim jungir a sociedade a cumpri-lo.

9. A questão das lacunas

Kelsen discorda da existência de lacunas, i.e, da inexistência de uma norma jurídica geral para um caso particular. Para ele, ou existe a norma e a conduta é proibida, ou inexiste a norma e é a conduta permitida. A lacuna na lei decorre de uma valoração político-individual da lei no caso concreto.

Para os casos de não-existência da lei específica no ordenamento jurídico, a autoridade legislativa delega ao aplicador da norma a oportunidade de suprir o ordenamento através de algumas ficções, em nosso País, analogia, costumes e princípios gerais do direito. [6]

10. A questão das antinomias

As normas são válidas ou não-válidas, não devem ser classificadas como verdadeiras ou falsas, por isso Kelsen rejeita a possibilidade de um relacionamento lógico entre as normas jurídicas.

Os conflitos entre normas resolvem-se:

a. pela hierarquia;

b. pela data da edição, lex posteriori derrogat priori;

c. ambas normas são válidas (usa-se uma parte de cada norma).

As normas, para que se evitem antinomias, devem guardar ao máximo uma relação de unidade (validade) com a Constituição e sua Norma Hipotética Fundamental.

A CIÊNCIA DO DIREITO

11. Sentido subjetivo e sentido objetivo dos atos

“Os fatos possuem o significado jurídico que a norma lhes atribui” [7] O sentido dos atos humanos encontra-se na norma, é ela que os dispõe como lícitos ou ilícitos. É na norma que se encontra o sentido objetivo dos atos humanos.

O sentido subjetivo dos atos não coincide exatamente com o significado que a norma lhe atribui, pois relaciona-se com os autores da norma.

12. Classificação da ciência do direito

Lembre-se aqui do preceito metodológico kelseniano de excluir do âmbito de interesse do jurista fatores de ordem social, moral, econômica, política.

A ciência do direito é a ciência do dever ser, diferentemente das ciências naturais, que são ciências as do ser. Nas ciências naturais há uma relação intrínseca entre os enunciados, uma relação de ordem casuística. Já o liame entre os enunciados de direito são criados (quase ficções).

Para Kelsen a ciência jurídica é uma ciência social normativa, pois estrutura seus enunciados a partir do princípio da imputação.

13. Princípio da imputação e princípio da causalidade [8]

Volta-se, aqui, ao conceito da ciência do dever ser: se A é, então B deve ser.

Causalidade é a relação de pertinência entre o enunciado e o acontecimento (se A é, então B é). A imputação é a racionalização da relação causal, une os fatos sob a égide da norma, cercando a regressão ad infinitum que poderia originar-se da causalidade.

14. Caráter constitutivo da ciência do direito

O direito, enquanto conjunto de normas, não tem, necessariamente, lógica; tampouco podem ser valoradas em verdadeiras ou falsas, como acima exposto. Normas são atos de vontade que visam regular a conduta humana, por isso não precisam ser lógicas, nem verdadeiras. Karl Schimmdt defendia que a norma constitucional era fruto da vontade política, e em parte estava correto. Portanto a norma deve ser obedecida por seu poder de coação.

15. Hermenêutica kelseniana

Interpretação autêntica: realizada pelo órgão competente;

Interpretação não-autêntica: realizada pelos cientistas do direito e demais pessoas.

Para Kelsen, todas as interpretações de que são passíveis as normas são válidas, entretanto o órgão aplicador é quem elegerá uma interpretação e, assim, estará manifestando sua vontade e seu poder de coação. Não há um único sentido correto de interpretação da norma jurídica.

A ciência jurídica deve, portanto, apenas elencar os possíveis sentidos da norma jurídica.

KELSEN NA FILOSOFIA JURÍDICA

16. Conclusão

A conclusão deste excelente opúsculo trata das influências filosóficas e do contexto histórico que levaram Kelsen a sua concepção purista de direito.

Em primeiro lugar a possibilidade da criação de uma linguagem ideal para a ciência foi uma busca constante dos participantes Círculo de Viena.

Decorrente disso vê-se a inutilidade e a imprecisão dos conceitos de justo e injusto na ordem jurídica.

Também vale ressaltar a importância de se caracterizar a norma jurídica como ato volitivo do poder competente, execrando do direito concepções transcendentalizadas, epifânicas, ou naturalistas do direito.

“A conclusão pela impossibilidade de definição do conteúdo das normas jurídicas é, contudo, peça essência na teoria de Kelsen”. [9]


Elaborado por: Luiz Roberto Lins Almeida

[1] Pág. 3
[2] Pág. 4
[3] Idem
[4] pág. 22
[5] v.g., Revolução Cubana
[6] Cf. LICC
[7] pág. 47
[8] sobre este tema, mais especificamente imputação objetiva, existem excelentes estudos de Claus Roxin, Günter Jakobs e Luís Greco.
[9] Pág. 70

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