Seguir carreira como juiz exige bom senso e vocação – Correio Braziliense – Fev/2013

Mariana Niederauer – Do Correio Braziliense

Tomar decisões importantes, que podem envolver a restrição da liberdade de uma pessoa ou o comprometimento do patrimônio de uma família, exige preparo que vai além dos conhecimentos técnicos sobre a legislação. É necessário bom senso e, acima de tudo, vocação.    Para mostrar desde cedo a responsabilidade que advém do cargo de juiz e despertar o interesse daqueles que pensam em exercer a profissão, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) criou um projeto que pretende levar para o último semestre da graduação a disciplina Magistratura — vocação e desafios.

Até o momento, 17 faculdades de direito confirmaram a inclusão da matéria no currículo. Os professores dessas instituições vão participar de um curso de capacitação em 19 e 20 de fevereiro, para o qual foram convidados a socióloga Maria Tereza Sadek, o ministro emérito do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, o ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, entre outros. A disciplina será oferecida na modalidade eletiva, ou seja, os alunos poderão escolher cursá-la dentro de um grupo de matérias necessárias para a conclusão do curso. Outras 74 faculdades de direito de todo o país foram convidadas a oferecer a matéria. A Enfam selecionou aquelas que têm o selo de qualidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No Distrito Federal, foram escolhidas a Universidade de Brasília (UnB) e o Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo, defende a iniciativa da Enfam como uma forma de proporcionar ao aluno vocacionado o primeiro contato com a profissão. Dedicação, segurança e o gosto pela leitura são as características relacionadas por ele entre as principais para um magistrado. A experiência de vida também é importante, pois complementa o conhecimento técnico. O deficit de magistrados, no entanto, faz com que juízes cada vez mais jovens ingressem nos tribunais. “Há uma necessidade de magistrados e, com isso, a tendência é que entrem pessoas mais novas. Essa falta de experiência profissional e de vida pode levar a alguma dificuldade”, explica. Ele próprio, no entanto, ingressou na magistratura aos 27 anos. Toldo lembra que o amadurecimento veio com o tempo e com o aperfeiçoamento constante, algo de que nenhum magistrado pode abrir mão.

Mudanças para o país

Tornar-se juiz está entre os planos da estudante do 5º semestre do curso de direito da UnB Jersyca Ramos dos Santos, 21 anos. “A ideia de poder ajudar a mudar, um pouquinho que seja, o curso das coisas em nosso país é gratificante”, relata. Ela pensa em virar juíza por volta dos 27 anos e reconhece que é um início precoce, mas sabe que idade não será o principal requisito. “Acredito que uma boa base familiar e o bom senso são mais importantes do que o tempo que a pessoa tem na carreira jurídica. Acho que a dedicação à causa ajuda a superar o obstáculo da idade”, explica.

A jovem tem exemplos de sucesso a seguir. Os ministros do STF Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, atual presidente da Corte, são formados pela UnB. A inclusão da disciplina proposta pela Enfam no currículo da instituição será avaliada no âmbito da reforma do projeto pedagógico do curso de direito. De acordo com o diretor, Othon de Azevedo Lopes, a reformulação deve ser concluída ainda no primeiro semestre de 2013. Lopes acredita que o modelo atual adotado pela universidade favorece o desenvolvimento do aluno além das questões técnicas. A participação em atividades de extensão e o contato com a filosofia, são alguns dos exemplos. “A formação humanística dá uma noção do compromisso que o juiz tem com a sociedade. Não é uma profissão que se espelhe num salário convidativo.”

O coordenador do curso de direito do UniCeub, Roberto Freitas Filho, afirma que a instituição não pretende oferecer a disciplina, pois o currículo do curso já abarca os conhecimentos necessários sobre a magistratura em Introdução ao ensino do direito e Instituições jurídicas, que oferecem um panorama do Poder Judiciário. “Enquanto formação, não me parece que uma disciplina sobre a magistratura tenha lugar no currículo contemporâneo, porque, se a composição das matérias ofertadas seguisse essa lógica, teríamos de oferecer uma para o ministério público, outra sobre a advocacia, a defensoria pública etc. E, ainda, essa carreira, embora importantíssima, é muito reduzida em termos quantitativos e os alunos desejam uma formação que os prepare para qualquer carreira jurídica”, relata. O coordenador explica que o curso da universidade tem sete mil alunos e, por isso, precisa dar uma formação geral e que esteja de acordo com as definições do Ministério da Educação (MEC).

Para o diretor presidente da Escola Nacional da Magistratura (ENM), Roberto Bacellar, a ênfase nessa profissão, em detrimento de outras carreiras jurídicas, pode ser explicada pela responsabilidade que o cargo exige. Diferentemente de um procurador, que ajuíza uma ação, o magistrado precisa decidir sobre a questão. Além disso, mesmo quando não há legislação vigente sobre o tema, ele deve recorrer à constituição para fundamentar o julgamento. “O juiz não é mais só um mero aplicador da lei, é também o intérprete dos princípios constitucionais”, explica Bacellar.

O peso da decisão

Na rotina do desembargador George Lopes Leite, diretor-geral dos cursos e das atividades de aperfeiçoamento de magistrados da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a única pausa é na hora do lanche da tarde. Depois de uma manhã dedicada às 30 peças processuais que costumam chegar todos os dias em seu gabinete, ele participa de audiências entre as 14h e as 17h. Não é raro deixar o tribunal com processos debaixo do braço para analisar à noite e até nos fins de semana. “Eu sei que não vou conseguir resolver os problemas da sociedade. Gostaria muito de fazê-lo, e isso dá uma angústia muito grande”, relata.

A sobrecarga é mais uma das consequências da falta de magistrados, daí a preocupação da Enfam com a formação desses profissionais. Só no TJDFT, estão abertas 90 vagas, e o desembargador adianta: elas não serão preenchidas no concurso atual, pois a seleção é rigorosa. “Nós não podemos prescindir do trabalho desses juízes”, afirma. Para preparar os novatos, o tribunal tem um curso de formação inicial de 220 horas, ministrado apenas pela manhã, para que os magistrados possam participar das audiências à tarde.

Jean Cleber Garcia, 44 anos, acaba de participar do primeiro concurso para juiz. A vaga almejada pelo advogado é a do TJDFT. Apesar de não ter sido aprovado, a experiência serviu como teste para as próximas seleções. Normalmente, os candidatos para esse cargo precisam fazer mais de duas provas até conseguirem passar. Jean participou do curso da Escola da Magistratura, do próprio tribunal, e acredita que o contato com juízes experientes foi essencial para entender melhor a profissão que pretende seguir. “É uma carreira muito bonita. Por meio das suas decisões, você pode melhorar a vida das pessoas que buscam a Justiça.”  

Opinião da ministra     

Guardiões das políticas públicas 

“Ser magistrado, hoje, está muito mais difícil do que no passado, porque, além de fazer essa reparação do que está errado na sociedade, ele também é, de acordo com a Constituição de 1988, o guardião das políticas públicas traçadas pelo Estado e inseridas na Carta Magna. Se as políticas não estão sendo cumpridas ou estão sendo mal-cumpridas, cabe ao Poder Judiciário fazer a fiscalização e obrigar a realização delas. Isso deixa o magistrado numa situação de desvantagem, porque ele começa a se indispor com as autoridades. Assim, aquele juiz do passado, que tinha o aval dos outros poderes, começa a ter algumas dificuldades exatamente por causa da responsabilidade de corrigir os representantes dos demais poderes. Esse é um desafio grande que o juiz tem. Por outro lado, a sociedade também começa a cobrar muito. Hoje, corre-se para a Justiça para resolver tudo. A primeira coisa que surge na cabeça das pessoas, que agora vivem numa sociedade mais complexa, é de que só o juiz tem a responsabilidade de dizer o que é certo ou errado. Isso acarreta muito trabalho, muita cobrança, e ainda essa indisposição com as autoridades constituídas. É exatamente o que nós queremos passar para os jovens antes de eles fazerem a opção. Muitos veem nessa carreira um emprego bom e que não tem patrão. Nós queremos desiludi-los disso. Pretendemos mostrar o que é bom na magistratura, mas também quais são os desafios de um magistrado.” 

Ministra Eliana Calmon, vice-presidente em exercício do STJ e diretora-geral da Enfam

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