Texto: Ética a Nicômaco – Aristóteles

ÉTICA A NICÔMACO – RESUMO E ANÁLISE

Josemar Pedro Lorenzetti

INTRODUÇÃO

O tema do presente texto é a ética Aristotélica. É uma pesquisa baseada no livro Ética à Nicômaco de Aristóteles.

A motivação inicial foi descobrir qual é o bem que o ser humano busca para sua realização segundo o Estagirita. Ao decorrer do trabalho indicamos também os problemas dos valores importantes para a pessoa; ademais buscamos responder qual é o lugar da ética em nossas vidas? As hipóteses encontradas na ética Aristotélica indicam a vida ideal como vivência das virtudes, junto com os outros, e que essa vivência é a felicidade.

Justificamos esse tema pela necessidade de estudar o problema da moral nas relações humanas, pela necessidade de voltar ao início da ética e indicar os principais conceitos propostos por Aristóteles, ressaltando a relevância desta proposta ética.

O trabalho está dividido em três capítulos. Iniciamos o primeiro capítulo contextualizando a época vivida pelo autor, o caminho por ele percorrido, as obras por ele escritas e a classificação das ciências iniciadas por Aristóteles.

O segundo capítulo trata do resumo da Ética à Nicômaco, dividido em quatro pontos. Neles são abordados o objeto do agir humano, a divisão das virtudes, a estrutura de um ato moral e a classificação das virtudes.

O terceiro capítulo retoma alguns aspectos da ética Aristotélica e dá a eles uma visão mais atual, reforçando algumas idéias defendidas pelo estagirita.

Como método utilizo a leitura, a interpretação exegético-hermenêutica e a escrita*.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Dentre tantos motivos que podemos encontrar para o fato, a primeira certeza que temos é que a Filosofia tal como a concebemos, teve origem na Grécia antiga. A filosofia na Grécia surge através de condições socio-econômico-culturais, como o evento original e originário, e isto representa um salto qualitativo – é um evento quantitativo – pois nunca antes se havia privilegiado a razão na tentativa de compreender o universo, a vida humana, a vida política, a vida virtuosa e os valores da felicidade. O povo grego incumbiu-se dessa tarefa, no Século VI ou V a.C.

O período que procuramos trabalhar é a fase das grandes sínteses do pensamento grego. Esse período, que coincide com o século IV a.C., tem dois grandes autores: Platão e Aristóteles.

1.1 Autor e Obras

O autor da Ética À Nicômaco, Aristóteles, nasceu na Macedônia, cidade de Estagira, Tassalônica, na costa nordeste da península da Calcídia, no ano de 384 a.C. Seu pai chamava-se Nicômaco, exercia a profissão de médico do rei da Macedônia, Amintas II; residiam na corte ou na Cidade Real.

No ano de 367a.C., quando Aristóteles contava com 17 anos, foi enviado a Atenas para completar sua educação, certamente atraído pela intensa vida cultural da cidade, que lhe acenara possibilidade de estudo. Ingressou na Academia de Platão e estudou ali até o ano de 348 a.C., data da morte do mestre Platão.

No ano de 342 a.C. Aristóteles foi encarregado da educação de Alexandre, filho do Rei da Macedônia, que estava com 13 anos. No ano de 336 Alexandre sucedeu seu pai no reinado e iniciou suas conquistas; a relação entre mestre e discípulo mostraria-se estável, pois o rei Alexandre enviou a Aristóteles material para estudo e ajuda financeira.

Depois que terminou a educação do Rei Alexandre, Aristóteles voltou a Atenas e iniciou uma escola nas proximidades de um templo dedicado ao deus Apolo; por isso ela recebeu o nome de Liceu.

Na organização da escola, haviam disciplinas (esotéricas) para seus discípulos pela manhã e à tarde para o público mais amplo (exotéricas). Sua escola era chamada de Perípatos (passeio) e, seus seguidores, denominados “peripatéticos”, pois as aulas eram administradas durante um passeio realizado pelo mestre e seus discípulos.

Com a morte do Rei Alexandre, aumentou, em Atenas, a rivalidade contra Aristóteles, que foi acusado de favorecer o Rei Macedônico – por ter sido o mestre do grande soberano. Para fugir de seus inimigos, refugiou-se em Calsis, onde possuía bens imóveis maternos, deixando Teofastro na direção da escola peripatética. Retirou-se de Atenas dizendo que ‘não queria que os atenienses pecassem pela segunda vez contra a filosofia’, relembrando a morte de Sócrates. Sua morte viria no ano seguinte, em 322 a.C.

Aristóteles deixou inúmeras obras, mas entre aquelas deixadas por ele e as conhecidas hoje, como pertencentes aoCorpus Aristotélicum, há uma grande diferença. Primeiro, pela consideração de que muitas obras foram definitivamente perdidas e, segundo, questiona-se a autenticidade de outras. A primeira edição completa das obras de Aristóteles é a de Andrônico de Rodes (último século a.C.), que é considerada substancialmente autêntica; classificaremos as obras de Aristóteles tendo presente a edição de Andrônico de Rodes:

I- Escritos lógicos, chamados posteriormente de Órganon, mas que correspondem a intenção do autor que considera a lógica como instrumento da ciência.

II- Escritos sobre a física, abrangendo a Cosmologia e a Antropologia, também a Filosofia Teorética e a Metafísica.

III- Escritos metafísicos: a Metafísica em catorze livros. É uma compilação feita após a morte de Aristóteles mediante seus apontamentos e manuscritos; o nome metafísica refere-se ao lugar que ela ocupa na coleção de Andrônico, depois da física.

IV- Escritos morais e políticos: a Ética à Nicômaco, a Ética à Eudemo, a Grande Ética e a Política em oito livros.

V- Escritos retóricos e poéticos: a Retórica, a Poética.

1.2 A classificação das ciências de Aristóteles.

A classificação das ciências, em Aristóteles, envolve uma teoria do conhecimento. Já mencionamos que ele foi um grande sistematizador do pensamento de sua época, assim, teremos que considerar três fases no conhecer:

1. Contato com o objeto através dos sentidos;

2. A impressão do objeto é percebida passivamente pelo intelecto;

3. O intelecto transforma a impressão em conceito, grau máximo de abstração.

Logo, o ser humano terá o conhecimento do necessário e do contingente. Do conhecimento do necessário faz parte a Filosofia Primeira e a Ciência; do contingente, a Arte e a Sabedoria Prática.

A Ciência se subdivide em:

1. Teoréticas: no geral a Filosofia Primeira; no particular a Física e a Matemática.

2. Práticas: Política, Economia e Ética.

3. Produtivas: Medicina, Ginástica, Gramática, Música, Dialética, Retórica e poética.

Desta forma, consegue-se abranger todo conhecimento da época, sendo a grande síntese do conhecimento do povo grego. Ainda hoje, quando necessitamos classificar as ciências, recorremos à classificação Aristotélica; em alguns aspectos essa classificação é ainda válida.

1.3 A ética Aristotélica

Dentre os escritos de Aristóteles, nos ateremos à Ética à Nicômaco, que é considerado um escrito de Aristóteles maduro, com o seu sistema filosófico próprio e definitivo. O contexto em que foi escrita a Ética à Nicômaco é a fundação do Liceu em 335 a.C. a 323 a.C., mesmo que a ética, na sua forma atual seria do ano 300 a.C. (rescrita posteriormente [1]).

O pensamento moral de Aristóteles está exposto nas obras: Ética à Nicômaco, Ética à Eudemo e a Grande Ética. A ética, nas obras Aristotélicas, é considerada como uma parte ou um capítulo da política, que antecede a própria política. Ela diz respeito ao indivíduo, enquanto a política considera o homem na sua dimensão social.

RESENHA: A ÉTICA À NICÔMACO

2.1 O objeto do agir humano.

A primeira pergunta é sobre o que é o bom ou o bem. Se o livro inicia com o questionamento, há também uma afirmação: todo o indivíduo, assim como toda ação e toda escolha, tem em mira um bem e este bem é aquilo a que todas as coisas tendem. O fim de nossas ações é o Sumo Bem, mas, como o conhecimento de tal fim tem grande importância para nossa vida, devemos determiná-lo para saber de qual ciência o Sumo Bem é objeto.

Tal ciência é a ciência mestra (que é a Política) e seu estudo caberá à Ética. É objeto da política porque as ações belas e justas admitem grande variedade de opiniões, podendo até ser consideradas como existindo por convenção, e não por natureza. O fim que se tem em vista não é o conhecimento do bem, mas a ação do mesmo; e esse estudo será útil àqueles que desejam e agem de acordo com um princípio racional, por isso não será útil ao jovem que segue suas paixões e não tem experiência dos fatos da vida.

Mas, se todo o conhecimento e todo trabalho visam a algum bem, qual será o mais alto de todos os bens? O fim certamente será a felicidade, mas o vulgo não a concebe da mesma forma que o sábio. Para o vulgo, a felicidade é uma coisa óbvia como o prazer, a riqueza ou as honras; aqueles que identificam a felicidade com o prazer vivem a vida dos gozos; a honra é superficial e depende mais daquele que dá do que daquele que recebe; a riqueza não é o sumo bem, é algo de útil e nada mais.

Dessa forma, devemos procurar o bem e indagar o que ele é. ora, se existe uma finalidade para tudo o que fazemos, a finalidade será o bem. A melhor função do homem é a vida ativa que tem um princípio racional. Consideramos bens aquelas atividades da alma, a felicidade identifica-se com a virtude, pois à virtude pertence a atividade virtuosa. No entanto, o Sumo Bem está colocado no ato, porque pode existir um estado de ânimo sem produzir bom resultado:

“Como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem” [2].

Sendo a felicidade a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo e tendo-na identificado como uma atividade da alma em consonância com a virtude, não sendo propriamente a felicidade a riqueza, a honra ou o prazer, etc; a felicidade necessita igualmente desses bens exteriores, porque é impossível realizar atos nobres sem os meios:

“O homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade; e por essa razão, alguns identificam a felicidade com a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude” [3].

Por isso, pergunta-se se a felicidade é adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou adestramento; se é conferida pela providência divina ou se é produto do acaso. Se é a felicidade a melhor dentre as coisas humanas, seguramente é uma dádiva divina – mesmo que venha como um resultado da virtude, pela aprendizagem ou adestramento, ela está entre as coisas mais divinas. Logo, confiar ao acaso o que há de melhor e mais nobre, seria um arranjo muito imperfeito. A felicidade é uma atividade virtuosa da alma; os demais bens são a condição dela, ou são úteis como instrumentos para sua realização.

2.2 As virtudes

Há duas espécies de virtudes: as intelectuais e as morais. As virtudes intelectuais são o resultado do ensino, e por isso precisam de experiência e tempo; as virtudes morais são adquiridas em resultado do hábito, elas não surgem em nós por natureza, mas as adquirimos pelo exercício, como acontece com as artes:

“(…) os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo seus instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos” [4]

Também pelas mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda a virtude, assim, como a arte: “de tocar o instrumento surgem os bons e os maus músicos”.

Com as virtudes dá-se o mesmo. É pelos atos que praticamos, nas relações com os homens, que nos tornamos justos ou injustos. Por isso, faz-se necessário estar atento para as qualidades de nossos atos; tudo depende deles, desde a nossa juventude existe a necessidade de habituar-nos a praticar atos virtuosos.

Ao nosso estudo, não interessa tanto investigar o que é a virtude, mas, estudar a virtude para tornar-nos bons. Mas consideremos que em nossa natureza o excesso e a falta são destrutivos:

“Tanto a deficiência como o excesso de exercício destróem a força; e da mesma forma, o alimento e a bebida que ultrapassam determinados limites, tanto para mais como para menos, destróem a saúde” [5]

Também nas virtudes, o excesso ou a falta são destrutivos, porque a virtude é mais exata que qualquer arte, pois possui como atributo o meio-termo – mas é em relação à virtude moral; é ela que diz respeito a paixões e ações, nas quais existe excesso, carência e meio-termo. O excesso é uma forma de erro, mas, o meio termo é uma forma digna de louvor; logo, a virtude é uma espécie de mediana.

Conquanto, cabe frisar que é meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta. Mas, nem toda ação e nem toda paixão admitem meio-termo; há algumas ações ou paixões que implicam em maldade, como a inveja. Elas são más em si mesmas, nelas não há retidão, mas erro. É absurdo procurar meio-termo em atos injustos; do excesso ou da falta, não há meio-termo.

Como nossa tarefa de estudo das virtudes tem como resultado a ação, e não o conhecimento da virtude, é necessário frisar a prática dos atos. É pela prática dos atos justos que se gera o homem justo, é pela prática de atos temperantes que se gera o homem temperante; é através da ação que existe a possibilidade de alguém tornar-se bom:

“Mas a maioria dos homens não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira. Nisso se portam como enfermos que escutassem atentamente seus médicos, mas não fizessem nada do que estes lhe prescrevem” [6].

2.3 A estrutura do ato moral

A virtude relaciona-se com paixões e ações, mas, um sentimento ou uma ação pode ser voluntária ou involuntária. Às paixões ou ações voluntárias dispensa-se louvor e censura, enquanto as involuntárias merecem perdão e, às vezes, piedade; por isso, é necessário distinguir entre o voluntário e involuntário. São involuntárias aquelas ações que ocorrem sob compulsão e ignorância, é compulsório ou forçado aquilo em que o princípio motor está fora de nós e para tal em nada contribui a pessoa que age ou sente a paixão. Há atos praticados para evitar males maiores:

“Se um tirano ordenasse a alguém um ato vil e esse, tendo pais e filhos em poder daquele, praticasse o ato para salvá-los de serem mortos” [7]

Tais atos assemelham-se aos voluntários pelo fato de serem escolhidos, e o princípio motor estar no agente, por estar na pessoa fazer ou não fazer. Ações de tal espécie são voluntárias, mas, em abstrato talvez sejam involuntárias, já que ninguém as escolheria por si mesmas. As ações são forçadas quando as causas encontram-se externas ao agente e ele em nada contribuiu. O voluntário parece ser aquilo cujo motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do ato.

Também o ato de escolher parece ser voluntário, mas não se identifica ao voluntário porque seu conceito é mais extenso. Os atos praticados sob o impulso do momento podem ser voluntários, mas não escolhidos, a escolha não é comum às criaturas irracionais pois essas agem segundo seu apetite; a escolha envolve um princípio racional e o pensamento, ela é aquilo que colocamos diante de outras coisas.

O objeto da escolha é algo que está em nosso alcance e este é desejado após a deliberação. A escolha é, portanto, um desejo deliberado. Mas como o fim é aquilo que desejamos e o meio aquilo que deliberamos e escolhemos, as ações devem concordar com a escolha e serem voluntárias. O exercício da virtude diz respeito aos meios, logo, a virtude está em nosso poder de escolha. Em outras palavras, podemos escolher entre a virtude e o vício, porque se depende de nós o agir, também depende o não agir. Depende de nós praticarmos atos nobres ou vis, ou então, depende de nós sermos virtuosos ou viciosos: “(…) O homem é um princípio motor e pai de suas ações como o é de seus filhos” [8].

Os atos que encontram-se em nós, também devem estar em nosso poder e serem voluntários. É pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter. Não menos irracional é supor que um homem que age injustamente não deseja ser injusto, ou aquele que corre atrás de todos os prazeres não deseja ser intemperante:

“Podemos supor o caso de um homem que seja enfermo voluntariamente, por viver na incontinência e desobedecer os seus médicos. Nesse caso, a princípio dependia dele o não ser doente, mas agora não sucede assim, porquanto virou as costas à sua oportunidade. Tal como para quem arremessou uma pedra, já não é possível recuperá-la; e contudo, estava em nosso poder não arremessar, visto que o princípio motor encontrava-se no agente” [9].

O mesmo acontece com os vícios, que a princípio dependiam dos homens não se tornarem viciosos, mas foi por sua própria vontade e escolha que tornaram-se assim. Agora, já não é possível ser diferente. Fica esclarecido que as virtudes são voluntárias, porque somos senhores de nossos atos se conhecemos as circunstâncias, e estava em nosso poder o agir ou o não agir de tal maneira. Os vícios também são voluntários, porque o mesmo se aplica a eles.

2.4 As Virtudes Morais:

01. A coragem [10]

(andrêia)- é meio-termo em relação ao sentimento de medo e de confiança.

As coisas que tememos são terríveis e as qualificamos como males. Nós tememos todos os males, e temer certas coisas é até justo e nobre – é vil não temê-las. A pobreza ou a doença não devemos temer, nem aquelas coisas que procedem do vício ou aquelas que não dependem de nós; é covarde aquele que não suporta os insultos ou a inveja como deve. A bravura relaciona-se com as coisas mais nobres como a morte na guerra, e bravo é aquele que se mostra destemido em face a uma morte honrosa.

Os bravos, embora temam aquelas coisas que estão acima das forças humanas, caracterizam-se por enfrentá-las como se deve. Mas aquele que diz não ter medo, que é insensível ao que realmente é terrível, é o homem temerário; ele é um simulador de coragem, porque deseja parecer corajoso. Em contrapartida, aquele que excede no medo é covarde, porque ele teme o que não deve temer, falta-lhe confiança e é dado ao desespero por temer certas coisas.

A covardia e a temeridade são a carência e o excesso e a posição correta é a bravura.

02. A Temperança [11]

(Sofrosíne)- é o meio-termo em relação aos prazeres e dores.

As espécies dos prazeres com que se relaciona são os prazeres corporais. Mas não se relaciona aos objetos da visão, nem da audição ou do olfato. A temperança e a intemperança relacionam-se aos prazeres do tato e do paladar.

Ao intemperante somente interessa o gozo do objeto em si, no comer e beber e na união dos sexos. Por causa dos prazeres, a intemperança é, dentre os vícios, a mais difundida; e é motivo de censura porque nos domina, não como homens, mas como animais.

O apetite é natural, mas o engano é o excesso. Os intemperantes excedem com o que não devem, e mais do que devem.

O excesso em relação aos prazeres é intemperança e é culpável, porque, nesse estado, somos levados pelo apetite. O temperante, que ocupa a posição mediana, não aprecia o que não deve, nem nada disso em excesso. Os apetites devem ser poucos e moderados, e não podem opor-se, de modo algum, ao princípio racional. No homem temperante, o elemento apetitivo harmoniza-se ao racional, o que ambos tem em mira é o nobre.

03. A Liberalidade [12]

Eleuteriótes)- é o meio-termo no dar e no receber dinheiro. O excesso é a prodigalidade e a deficiência é a avareza.

O homem liberal é louvado no tocante a dar e receber riquezas, mas é especialmente louvado aquele que sabe dar suas riquezas. O avarento quer o dinheiro mais do que deve e o pródigo esbanja a riqueza com seus prazeres. Quem melhor usa a riqueza é aquele que possui a virtude a ela associada: o homem liberal.

O homem liberal dá as quantias que convém, às pessoas que convém e na ocasião que convém, com todas as demais condições que acompanham a reta ação de dar, com prazer e sem dor. A liberalidade é uma disposição de caráter daquele que dá.

A avareza é deficiente no dar e excede no receber; a prodigalidade excede no dar e no não receber, esses não tardam em exaurir suas posses porque dão em excesso.

04. A Magnificência [13]

(Megaloprépeia)- é um meio-termo quanto ao dinheiro dado em grandes quantias; o excesso é a vulgaridade e o mau gosto, a deficiência é a mesquinhez.

É uma virtude relacionada com a riqueza, mas se estende apenas às ações que envolvem gastos. A magnificência é um gasto apropriado de grandes quantias, logo, ela deve ser apropriada ao agente e às circunstâncias.

Sendo os gastos do homem magnificente vultuosos e apropriados, tal serão os seus resultados. Um grande dispêndio com grandes resultados. A magnificência é um atributo dos gastos honrosos, como os que se relacionam a ofertas, construções e sacrifício aos deuses. Por isso o homem pobre não pode ser magnificente, porque não tem os meios de sê-lo.

A deficiência a essa disposição de caráter é a mesquinhez; este fica aquém da medida em tudo, em tudo o que faz estuda a maneira de gastar menos e lamenta até o pouco que tem.

O excesso é a vulgaridade, porque gasta além do que é justo. Por exemplo, dá um jantar de amigos na escala de um banquete de núpcias.

05. O Justo Orgulho[14]

(Megalopskhia)- é o meio-termo em relação à honra e à desonra. O excesso é a ‘vaidade oca’ e a deficiência é a humildade indébita.

O Justo Orgulho também pode ser chamado Magnanimidade ou Respeito Próprio. O homem magnânimo é aquele cujos mérito e pretensões são igualmente elevados, por isso essa virtude pressupõe outras, realçando-as. O homem magnânimo reclama a honra, mas aquela honra conferida ao homem bom lhe dará apenas prazer moderado, porque o Justo Orgulho relaciona-se com a honra em grande escala.

Ele é um extremo com respeito à grandeza de suas pretensões, mas é meio-termo na justiça de suas pretensões. O objetivo do homem magnânimo é a honra, e a respeito dela que ele é como deve ser.

O que fica aquém é o homem indevidamente humilde, que sendo digno de coisas boas, rouba de si o que merece e não se julga digno de coisas boas. Aqueles que ultrapassam a medida são vaidosos; todos que ignoram a si mesmos, aventuram-se a honrosos empreendimentos sem serem dignos para tal e logo fracassam.

06. Anônimo [15]

O homem que excede no desejo à honra é o ambicioso (Afilotimia), o que fica aquém é desambicioso (Filotimia), o intermediário é o Anônimo.

A honra pode ser desejada mais ou menos do que se convém, ou da maneira e das fontes que se convém. O homem ambicioso deseja a honra mais que convém, o desambicioso não quer se honrado e fica aquém da medida.

A esta disposição de caráter o que se louva é um meio-termo no tocante à honra.

07. A Calma [16]

(Praótes)- é o meio-termo em relação à cólera; aquele que excede é o irascível, o que fica aquém é o pacato.

Louva-se o homem que se encoleriza justificadamente, tal homem tende a não deixar-se perturbar nem guiar-se pela paixão, mas ira-se da maneira, com as coisas e no tempo prescrito.

A deficiência é a pacatez, e essas pessoas não se encolerizam com coisas que deveriam excitar sua ira; também são chamados de tolos e insensíveis.

O excesso é o homem irascível, que encoleriza-se com coisas indevidas e mais do que convém.

08. A Veracidade [17]

(Alétheia)- é o meio-termo no tocante à verdade, o exagero é a jactância e o que a subestima é a falsa modéstia.

09. A Pessoa Espirituosa ou Espírito [18]

(Eutrapelia)- é o meio-termo na aprazibilidade no proporcionar divertimento. O excesso é a chocarrice e a deficiência a rusticidade.

10. A Amabilidade [19]

(Filía)- é o meio-termo na disposição de agradar a todos de maneira devida e amável; o excesso é o obsequioso se não tiver propósito, e lisonjeiro se visa a um interesse próprio; a deficiência é a pessoa mal humorada.

11. A Modéstia [20]

(Aidémôón)- é o intermediário nas paixões e relativo a elas; aquele que excede é o acanhado e este se envergonha de tudo, enquanto aquele que mostra deficiência é o despudorado e não se envergonha de coisa alguma.

12. A Justa Indignação [21]

(Némesis)- é o meio-termo entre a inveja e o despeito, e refere-se à dor ou prazer da boa ou má fortuna dos outros. O excesso é a inveja, e a deficiência é o despeito.

13. A Justiça [22]

(Dicaiosíne)- nela faz-se necessário distinguir as duas espécies e mostrar em que sentido cada uma delas é um meio-termo.

A justiça é a disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo e a desejar o que é justo. Dessa forma, a justiça é uma virtude completa ou é muitas vezes considerada a maior das virtudes. É uma virtude completa por ser o exercício atual da virtude completa, isto é, aquele que a possui pode exercer sua virtude sobre si e sobre o próximo. Por isso se diz que somente a justiça, entre todas as virtudes, é o bem do outro, visto que é possível fazer o que é vantajoso a um outro. O melhor dos homens é aquele que exerce sua virtude para com o outro, pois essa tarefa é a mais difícil.

Há dois tipos de justiça, uma que se manifesta na distribuição das honras, de dinheiro entre aqueles que tem parte na constituição; e outra, que tem um papel corretivo nas transações entre os indivíduos; ela se divide em transações voluntárias e involuntárias.

Há quem defenda outro tipo de justiça, que não se enquadra nas citadas acima, que seria a reciprocidade. A reciprocidade não é justiça, porque pagar o mal com o mal ou o bem com o bem faz parte das ações dos cidadãos, e não caracteriza o agir justo, salvo em alguns casos.

A justiça política divide-se em natural e legal. A natural é aquela que tem a mesma força em toda parte; a legal é a justiça estabelecida. Alguns pensam que toda justiça é estabelecida porque há alterações nas coisas percebidas como justas, e se fossem naturais, teriam que ser imutáveis, como o fogo que arde em toda a parte. No entanto, ambas as espécies de justiça são mutáveis, as coisas justas por convenção assemelham-se a medidas, que não são iguais em toda parte.

No tocante à justiça, cabe destacar que é o caráter voluntário ou involuntário que determina o justo. O homem somente é justo quando age de maneira voluntária, e se age involuntariamente não é justo nem injusto, a não ser por acidente.

2.5 As Virtudes intelectuais

A alma humana possui duas partes: a que tem um princípio racional e a privada de razão. A parte racional da alma se divide em científica (direcional ou prática) e calculativa (especulativa e teórica). A calculativa é uma parte da alma que concebe um princípio racional, ela versa sobre coisas universais e teóricas, que não podem ser a não ser aquilo que são. O objeto da parte calculativa é a verdade, logo, para o conhecimento especulativo o bem se identifica com o verdadeiro e o mal com o falso.

A alma possui três elementos: a sensação, a razão e o desejo [23]. A sensação não controla a ação, e isto pode ser percebido nos animais que têm sensação, mas não produzem ação. A razão e o desejo determinam a ação, entretanto, de modo diferente, já que a virtude moral é uma disposição para a escolha; contudo, ela envolve o desejo por um fim e a razão descobre os meios próprios para esse fim:

“A origem da ação é a escolha, e da escolha é o desejo e o raciocínio com um fim em vista. Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão nem sem intelecto, nem sem uma disposição moral” [24].

O puro pensamento nada anima, somente possui um poder animador assim dirigido para um fim; o homem, visto como um autor de ação, é uma união do desejo com a razão. A virtude de uma e de outra, devem constituir-se aquilo que permite chegar à verdade.

As disposições, pelas quais a alma possui a verdade, são cinco: a arte, o conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva [25].

1. O conhecimento científico(episteme)

Seu objeto é o necessário e eterno; toda ciência pode ser ensinada e seu objeto aprendido. O conhecimento científico é um estado que nos torna capaz de demonstrar, é quando um homem tem certa espécie de convicção, além de conhecer os pontos de partida, que possui conhecimento científico. É uma disposição em virtude da qual demonstramos.

2. A Arte (tekné)

É idêntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio. Toda arte visa a geração e se ocupa em inventar e em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser como não ser, e cuja origem está no que produz, e não no que é produzido. A arte não se ocupa nem com as coisas que são ou que se geram por necessidade, nem com as que fazem de acordo com a natureza. A arte é uma questão de produzir e não de agir.

3. A Sabedoria Prática (phrónesis)

É característica de um homem que delibera bem sobre o que é bom e conveniente para ele. Mas o homem com essa sabedoria não procurar coisas boas somente para si, mas sabe deliberar sobre aquelas coisas que contribuem para a vida boa em geral.

A sabedoria pratica é uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem.

4. A Razão Intuitiva (nõus)

Consiste aquilo pelo qual aprendemos as últimas premissas de onde parte a ciência; ela aprende os primeiros princípios. Seu método é a indução, que apreende a verdade universal e a partir disso aparece como evidente a si.

5. Sabedoria Teorética. (sofia)

A sabedoria é a razão intuitiva combinada com o conhecimento científico, orientada para objetos mais elevados. É, dentre as formas de conhecimento, a mais perfeita; superior à sabedoria prática que tem como objeto as coisas humanas e diz respeito à ação; deveríamos possuir ambas as espécies de sabedoria, mas de preferência a sabedoria teorética.

Depois de haver classificado as virtudes intelectuais, tentaremos uni-las em torno de um objetivo comum:

“Ora, todas as disposições que temos considerado convergem, como era de se esperar, para o mesmo ponto, pois quando falamos de discernimento, de inteligência, de sabedoria prática, e de razão intuitiva, atribuímos às mesmas pessoas a posse do discernimento, o terem alcançado a idade da razão, e serem dotados de inteligência e de sabedoria prática” [26].

Todas essas faculdades giram em torno de coisas imediatas, e o homem inteligente é aquele capaz de julgar as coisas com que se ocupa a sabedoria prática. Pois não só o homem dotado de sabedoria prática deve ter conhecimento dos fatos particulares, mas também a inteligência e o discernimento versam sobre coisas a serem feitas; a razão intuitiva também ocupa-se de coisas imediatas.

Aristóteles volta-se agora ao problema da utilidade da sabedoria teorética e prática. Neste contexto surgem três questões.

1º: Já que a sabedoria filosófica não considera nenhuma das coisas que tornam o homem feliz, e a sabedoria prática, embora trate dessas coisas, para que precisamos dela? A sabedoria prática é uma disposição da mente e é característica de um homem bom e não nos tornamos mais capazes de agir pelo fato de conhecê-las.

Se dissermos que o objetivo da sabedoria prática é tornar o homem bom, ela não terá nenhuma utilidade para aqueles que já são bons:

… e, por outro lado, de nada serve ela (sabedoria prática) para os que não possuem virtude. Com efeito, nenhuma diferença faz que eles próprios tenham sabedoria prática ou que obedeçam a outros que a têm, e seria suficiente fazer o que costumamos fazer com respeito à saúde: embora desejemos gozar saúde, não nos dispomos por isso a aprender a arte da medicina” [27].

2º: Pois, quanto aos que não são bons, esses podem consultar um homem sábio, da mesma maneira como procedemos com o médico, em vez de tentarem eles serem sábios? 3º: Será que a sabedoria filosófica, sendo inferior à prática, tem autoridade sobre a última?

A resposta é: 1º- Ambas as formas de sageza produzem felicidade, simplesmente pelo fato de serem virtudes:

“Antes de tudo, diremos que essas disposições de caráter devem ser dignas de escolha porque são virtudes das duas partes da alma respectivamente, e o seriam ainda que nenhuma delas produzisse o que quer que fosse” [28].

2º- Elas, de fato, produzem algo, não como a arte médica produz saúde, mas como a saúde produz saúde. Assim a sabedoria filosófica produz felicidade, porque é parte da virtude inteira:

“Ambas as formas de sageza produzem felicidade, pois são a sua causa formal, distinta da causa eficiente” [29].

3º- A sabedoria prática leva-nos a escolher o melhor fim a atingir, também a escolher os justos meios; no entanto, a sabedoria prática não pode existir independente da virtude. o fim que nos propomos alcançar, seja bom ou mau, não consiste numa sabedoria prática, mas na inteligência. Mas, desde que o fim seja justo, e isso é tarefa da virtude, a inteligência transforma-se em sabedoria prática:

“Por outro lado, a obra de um homem só é perfeita quando está de acordo com a sabedoria prática e com a virtude moral; esta faz com que seja reto o nosso propósito; aquela, com que escolhamos os devidos meios” [30].

Podemos estabelecer outra relação entre os dois problemas: 1- que a virtude não é simplesmente uma sabedoria (como sustentava Sócrates), mas implica a sabedoria prática. 2- embora as virtudes naturais possam existir isoladas umas das outras, as virtudes morais não, pois qualquer virtude moral implica uma sabedoria prática, e esta implica todas as virtudes:

… e desta forma podemos refutar o argumento dialético de que as virtudes existem separadamente uma das outras, e o mesmo homem não é perfeitamente dotado pela natureza para todas as virtudes, de modo que poderá adquirir uma delas sem ter ainda adquirido outra. Isso é possível no tocante às virtudes naturais, porém não aquelas que levam a qualificar um homem incondicionalmente de bom; pois a presença de uma só qualidade, a sabedoria prática, lhe serão dadas todas as virtudes” [31].

A relação entre a sabedoria moral com a intelectual é estabelecida de modo abreviado. É verdade que é a sabedoria prática que determina os estudos em qualquer estado, mas ao fazê-lo ela não procede em vista da sabedoria teorética, mas em vista de seus interesses:

“Mas nem por isso domina ela a sabedoria filosófica, isto é, a parte superior de nossa alma, assim como a arte médica não domina a saúde, mas fornece só meios de produzi-la” [32].

3. ATUALIZAÇÃO

Neste capítulo, procuraremos analisar a Ética à Nicômaco considerando a distância que nos separa de Aristóteles, buscaremos avaliando a Ética Nicomaquéia, contribuições que nos auxiliam hoje, no limiar do III milênio.

Sem a pretensão de englobar todos os aspectos da vasta obra ética aristotélica, ou ainda, de serem definitivos e completos, os textos que seguem trabalham os temas da responsabilidade, do problema da perfectibilidade do caráter, da amizade e da vida ideal; a abordagem e a posição defendida na obra Ética a Nicômaco pode perfeitamente ser contestada ou afirmada como perfeitamente válida, no contexto atual.

3.1 A Responsabilidade

A afirmação da responsabilidade do homem frente aos seus atos é afirmada inúmeras vezes: “O homem é princípio e genitor de seus atos como o é de seus filhos” [33]. Aristóteles não possui como objetivo demonstrar essa afirmação, mas em que condições a responsabilidade é possível e em que medida ela é estendida ao caráter.

O princípio da responsabilidade baseia-se em duas pressuposições: a realidade é contingente (o futuro não está definido) e depende do indivíduo que age (o indivíduo é considerado autor de seus atos quando o ato depende dele). Essas são as duas exigências para que uma ação possa ser considerada virtuosa, conforme a declaração:

…”a virtude está em nosso poder, do mesmo modo que o vício, pois quando depende de nós o agir, também depende o não agir, e vice-versa. de modo que quando temos o poder de agir quando isso é nobre, também temos o de não agir quando é vil; e se está em nosso poder o não agir quando isso é nobre, também está o agir quando isso é vil. logo, depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que se entende por ser bom ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos” [34].

Na Ética à Nicômaco, Aristóteles afirma que o caráter é resultado de nossos atos [35]; que adquirimos uma ou outra disposição ética agindo de tal ou tal maneira. Realizando coisas justas, assumiremos bons hábitos e o caráter torna-se justo; inversamente, agindo de maneira intemperante, adquire-se o hábito de ceder aos desejos e tornamo-nos intemperantes. O caráter não é mais o que recebe suas determinações da natureza, da educação, da idade e da condição social; é produto da série de atos dos quais sou o autor. Posso ser declarado autor de meu caráter, como o sou de meus atos: do mesmo modo que meus atos podem ser objeto de elogio, meu caráter pode ser objeto de louvor [36].

Vícios e virtudes não são simples traços psicológicos adquiridos, mas têm significado moral, porque pertencem ao campo daquilo que depende de nós. Esta responsabilidade testemunha a seriedade da ação. Quando ajo, não faço somente algo que terei que responder posteriormente, mas escolho o que vou ser. Agindo contra a regra que conheço como todo homem educado, consinto em me tornar cego à lei, em não saber mais onde está o bem. A lei, por isso mesmo, pune mais severamente o intemperante (aquele que delibera em vista de um fim mau) por deliberar em vista de um fim mau, já que possui a capacidade para bem deliberar; a ignorância da regra, pela criança, a impede de ser considerada responsável por seus atos; a ignorância da regra pelo adulto, se é produto de uma vida intemperante, acresce culpabilidade:

“Ignorar que é pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter é de é de homem verdadeiramente insensato. Não menos irracional é supor que um homem que age injustamente não deseja ser injusto, ou aquele que corre atrás de todos os prazeres não deseja ser intemperante” [37].

Na dupla afirmação da responsabilidade, sobre o ato e o caráter, Aristóteles tira o homem da fatalidade trágica. O homem será declarado responsável por seus atos e pela construção de seu caráter.

3.2 A Perfectibilidade Do Caráter

Há uma distinção a ser introduzida na questão da responsabilidade humana: “não é da mesma maneira que as ações e o habitus são de pleno consentimento, nós somos senhores de nossos atos, do princípio ao fim…Mas dos nossos habitus, só somos senhores do princípio” [38]. O ato, na sua inteligibilidade, depende de mim, porque tenho um domínio sobre as conseqüências diretas desse último; em compensação, não posso antecipar precisamente todas as conseqüências indiretas dos hábitos que assumi. Meu caráter me é imputável, posto que agindo, não posso ignorar que forjo também meus hábitos, mas, enquanto sou senhor dos meus atos a cada instante, não posso transformar meu caráter a todo momento: isso eqüivale a dizer que não tenho caráter. Dessa forma, parece que no final de certo tempo, o caráter ficou a tal ponto marcado que parece impossível transformá-lo. Surge, dessa forma, o problema da perfectibilidade do caráter, pois, a responsabilidade humana pode ser simples quimera?

Pode-se apontar dois problemas: primeiramente, cada homem é autor de seus atos enquanto é agente que se determina a um fim. Ora, o que dirige a escolha intencional não é outra coisa senão o caráter; pode-se dizer que o homem é causa de seus atos enquanto agente que consente, não é de fato seu caráter que determina sua decisão, constituindo a verdadeira causa do ato? Porque:

“Ao injusto e ao intemperante, ser-lhe-ia possível, no princípio, não se tornarem tais; é por isso que o são com pleno consentimento; mas, uma vez tornados tais, não lhes é mais possível não sê-lo” [39].

O caráter perde muito depressa sua leveza e flexibilidade, para se cristalizar e se tornar a maneira habitual de escolher e, finalmente, de agir. Pode-se entender que o caráter nos constrange a continuar o que já começamos, isso não é dizer que só há escolha aparente?

Esse sentimento se reforça se analisarmos o segundo problema. Para Aristóteles o início da formação do caráter é a infância.

Não é indiferente ter sido, desde a infância, habituado a ser assim ou de outro modo; antes, é da maior importância, ou melhor, é tudo” [40].

Parece que o elemento para distinguir o jovem do adulto é que o primeiro age para formar seu caráter, enquanto o segundo age a partir do seu caráter, com a intenção de realizar seu fim, ser feliz. Contudo, na medida em que os fins visados dependem do caráter, as decisões do adulto parecem inteiramente determinadas pelo condicionamento educativo que teve lugar na infância, numa idade em que o ser humano é como que estranho para si mesmo. Logicamente, a única obra moral a escrever deveria ter sido uma Pedagogia.

Mas não é precisamente esse caso. Aristóteles quis escrever uma ética, cujo projeto é claro: é uma obra dirigida aos adultos, que examina como nos tornar bons [41], de maneira a realizar o fim de todo homem, a felicidade. A vida moral é um assunto de adultos.

Isso significa que o caráter do jovem, formado pelos hábitos impostos pelo educador, não é ainda vicioso ou virtuoso. No melhor dos casos, prefigura a virtude futura pelo amor ao belo, pela justiça do gosto ou a nobreza das paixões: com efeito, são as disposições em face das paixões que são objeto da vida mais que as que interessam às ações. A virtude e o vício só se desenvolvem através dos atos de que só o adulto é capaz, porque se realizam principalmente no quadro da vida cívica ou militar. O princípio que estava em questão não é, como sugerimos antes, a infância, mas a entrada na idade adulta, na idade em que se tomam as primeiras decisões, em que se realizam os primeiros atos verdadeiros. Sem negar, evidentemente, a influência do caráter adquirido pela educação, pode-se considerar que, entrando na vida adulta, o homem começa alguma coisa, propõe e visa fins: torna-se verdadeiro autor de seus atos, responsável por aquilo que faz e por aquilo que é. Há, nesse momento, descontinuidade na vida humana; é pela docilidade ou rebelião que o jovem adquire boas ou más disposições em face das paixões, mas é por suas decisões que o adulto adquire vício ou virtude, isto é, um caráter moral.

Sem colocar em questão a idéia da responsabilidade, não se pode dizer que ao fim de certo tempo é o caráter do adulto quem determina seus atos virtuosos, e não o inverso? O hábito cria um peso tal que só se pode repetir o que já se fez: ao longo do tempo, cada um amplifica o que começou, melhorando sempre mais ou caindo na decadência maior. Para nos tornarmos bons, a exigência ética teria então seu campo de atuação reduzido, posto que estaria reservada aqueles que tivessem iniciado bem, àqueles que muito cedo tomaram a boa direção; quanto aos outros, só se poderia constatar seus vícios, suas fraquezas, suas incoerências, etc… e nos esforçamos em criar as inconveniências graças a certos caracteres implícitos. Assim, a ética aristotélica seria uma ética reservada à alguns eleitos bem educados e que condenaria os outros a um encadeamento tático? Há, ao contrário, para todo homem, digamos, para toda pessoa, possibilidade de conversão ou de revolução moral, ao menos de modificação do futuro, de melhoramentos?

Devemos reconhecer que, assim formulada, essa questão é mais um problema proposto à Aristóteles, diferentemente daquilo que ele se propunha a refletir. Isso porque a ética se dirige, primeiramente, àqueles que começaram bem sua vida adulta. Contudo, quando nos atemos a seguir aos exemplos desenvolvidos na Ética à Nicômaco, constatamos que a proposta de Aristóteles é mais leve. Primeiro, se em princípio o homem perfeitamente virtuoso ou completamente pervertido parece estar ao abrigo de toda mudança, esta virtude e esse vício constituem casos limite extremamente raros. Depois, a continência e a incontinência entre as quais oscilam a grande maioria dos homens são objeto de interesse particular da parte de Aristóteles.

Ora, aqui os progressos e as quedas são freqüentes. Pode-se supor que, malgrado sua permanência, o caráter não é imutável, é suscetível de certa reversibilidade; é a esse preço que a ética adquire toda sua importância.

3.3 A Amizade

Na Ética à Nicômaco, Aristóteles dedica dois livros (VIII e IX) ao tema da amizade. Para melhor compreensão do tema, devemos lembrar que a expressão grega possui maior significado, podendo designar qualquer atração mútua entre duas pessoas. A discussão do assunto constitui uma correção válida a respeito de uma impressão que o restante da Ética tende a produzir. A maior parte do sistema moral de Aristóteles está centrada sobre o próprio indivíduo; é próprio do homem, o homem tende e deve tender. Na totalidade da ética, para além dos livros sobre a amizade, muito pouco é dito no sentido de se sugerir que o homem pode e deve ter um interesse caloroso e pessoal pelas outras pessoas; o altruísmo está completamente ausente. Apresentam-se traços de um ponto de vista egoísta mesmo no respeito a amizade, como poderíamos esperar, devido a amizade não constituir uma mera benevolência, mas exigir reciprocidade.

Um homem deseja o bem do seu amigo por amor ao amigo, e não como um meio para sua felicidade [42]. As várias formas de amizade mencionadas por Aristóteles constituem todas as ilustrações da natureza social essencial do homem. No plano inferior, necessita de amizades úteis . Num plano mais elevado, forma amizades por prazer, isto é, tem um prazer natural no convívio com os seus amigos. Num plano ainda mais elevado, constitui amizades por bondade, nas quais um amigo ajuda outro a viver a melhor vida.

A parte mais interessante da discussão é aquela em que Aristóteles defende o ponto de vista segundo o qual a amizade baseia-se no amor do homem por si próprio. Noutra passagem, adverte-nos da expressão relação ante si próprio; através da metáfora, podemos dizer que existe justiça, não ente um homem e si próprio, mas entre duas partes do mesmo indivíduo. Aristóteles critica o ponto de vista de Platão, segundo o qual a justiça é essencialmente uma relação com o eu [43]; Aristóteles defende um ponto de vista semelhante a respeito da amizade, julgando-se, sem dúvida, justificado pela natureza mais íntima da relação. Quatro características da amizade podem encontrar-se na relação do homem consigo próprio; o homem bom deseja e realiza o melhor para seu conhecimento para o seu elemento intelectual, o qual representa ele mesmo. A todo momento se encontra numa completa harmonia consigo mesmo, e dum momento a outro numa perfeita coerência: é devido ao fato de esta relação existir no homem bom, e porque o seu amigo é para si um outro eu, que a amizade possui tais características.

A teoria de Aristóteles representa uma tentativa de destruir a antítese entre egoísmo e altruísmo, mostrando que o egoísmo de um homem bom possui precisamente as mesmas características do altruísmo. No entanto, na tentativa de encontrar elementos estáticos de eu, o motivo de interesse e da simpatia de uma pessoa por outra, fracassa, porque estas relações implicam dois eus distintos. Noutra passagem, Aristóteles segue outra via, sugerindo que o eu não consiste numa coisa estática, mas algo capaz de uma extensão indefinida. Quando fala de pessoas, tratando os seus amigos como Outros Eus [44], ou como partes de Si próprios [45], pretende significar que um homem pode estender os seus interesses de tal forma que o bem-estar e outro pode tornar-se para si um objeto de interesse, tanto quanto seu bem estar. Uma mãe, por exemplo:

…”e a amizade parece digna de ser desejada por si mesma. Mas dir-se-ia que ela reside antes em amar do que em ser amado, como mostra o deleite que as mães sentem em amar; pois algumas mães entregam os filhos a outros para serem educados, e, enquanto conhecem o destino deles, amam-nos sem procurar ser amadas em troca (se não lhes são possíveis ambas as coisas), mas parecem contentar-se em vê-los prosperar; e amam os seus filhos mesmo quando estes, por ignorância, não lhes dão nada do que se deve dar a uma mãe” [46].

Esta mãe que sofre a dor do seu filho tanto quanto a dor do seu próprio corpo torna-se este exemplo de querer para o outro o bem-estar. O altruísmo pode, assim, ser chamado egoísmo. Mas dizer isso eqüivale a condená-lo. Existe um amor de si bom, tanto quanto mau. O problema reside em saber qual espécie de eu que amamos. Pode ser a que se delicia com o dinheiro, as honras ou os prazeres do corpo, os bens por que lutamos, os quais são de tal modo que quanto mais os possuímos, menos o outro os deve ter. Ou, pode ser, a que se interessa pelo bem-estar dos seus amigos e concidadãos. Tal homem dispenderá o seu dinheiro para que os seus amigos tenham mais, mas, mesmo assim, toma para si a melhor parte. Os seus amigos apenas obtêm dinheiro, mas ele também o que é nobre, a satisfação de fazer o que está certo. E, mesmo que morra por outros, ganha mais que perde [47].

Nesta parte da Ética, o individualismo de Aristóteles torna-se mais evidente. A razão é apresentada como tratando-se do elemento que dá ao homem uma maior autoridade, aquilo que é mais verdadeiramente ele próprio, aquilo que satisfaz o homem bom desde o momento em que ele próprio se sacrifica. Prepara-se, desse modo, a vida para a seção da Ética na qual Aristóteles expõe o bem-estar.

3.4 A Vida Ideal

No início da Ética a Nicômaco, vimos que o bem-estar deve ser uma atividade desejável em si mesma, e nunca um estado ou disposição. As coisas desejadas em si mesmas são a atividade de acordo com a virtude e os divertimentos. O último não pode ser a finalidade da vida, pois, embora seja desejável por si mesmo, não é válido por si mesmo, mas sim como um relaxante que nos torna apto a uma atividade séria.

O bem-estar deve ser uma atividade em conformidade com a virtude. Mas, a partir do livro V, Aristóteles divide a virtude intelectual e a moral, e que ambas são distintas uma da outra. Argumentamos que a sabedoria teorética e a prática, não são um meio para o bem-estar, mas sua atividade, seu exercício constituem o bem-estar. Como a sabedoria teorética é superior à sabedoria prática, e que pelo menos uma parte do valor desta última consiste na ajuda que dá a produção da primeira:

…”o homem que contempla a verdade, porém, não necessita de tais coisas, ao menos para o exercício de sua atividade; e pode-se dizer até que elas lhe servem de obstáculo, quando mais não seja para a própria contemplação. Mas, enquanto homem que vive no meio de outros homens, ele escolhe a prática de atos virtuosos: por conseguinte, necessita também de coisas que facilitam a vida humana (…).

…mas que a felicidade perfeita é uma atividade contemplativa…

…mas o homem feliz, como homem que é, também necessita de prosperidade exterior, porquanto a nossa natureza não basta a si mesma para os fins de contemplação: nosso corpo também precisa gozar saúde, de ser alimentado e cuidado. Não se pense, todavia, que o homem para ser feliz necessite de muitas ou de grandes coisas. (…) a auto-suficiência e a ação não implicam excesso, e podemos praticar atos nobres sem sermos donos da terra e do mar [48]“.

Assim exposto, está claro que para Aristóteles a contemplação constitui o ingrediente fundamental do bem-estar. Mas já é mais difícil ver-se a ação moral constitui outro ingrediente do bem-estar, ou se apenas é um meio de assegurar sua produção.

Consoante Aristóteles, o bem-estar deve ser uma atividade de acordo com a virtude da melhor parte de nós, ou seja, a razão; a atividade do bem-estar é teorética. É esta a melhor atividade que somos capazes, uma vez que é o exercício do melhor em nós sobre o melhor de todos os objetos, aqueles que são eternos e imutáveis. Consiste naquilo que podemos fazer com uma maior continuidade; acarreta um prazer duma espantosa pureza e estabilidade; é a menos dependente dos outros homens, enquanto a virtude moral requer a presença de outros como objetos da sua atividade; parece ser só amada por si mesma, enquanto as atividades práticas, nomeadamente, as maiores entre elas, as façanhas dos homens de estado e dos soldados, visam bens que as ultrapassam; consiste no gênero de vida que devemos atribuir aos deuses, uma vez que seria absurdo atribuir-lhes uma vida moral.

No entanto, a vida contemplativa é muita elevada para nós. Não a podemos viver enquanto homens, seres compostos de corpos, de alma irracional e de razão, mas em virtude do elemento divino em nós. Contudo, não devemos seguir aqueles que afirmam que, sendo nós homens, devemos limitar o pensamentos às coisas humanas. Devemos, na medida do possível, nos apoderarmos da vida eterna, vivendo a vida desta parte de nós, por ínfima que seja, que constitui a melhor e mais verdadeira de nós próprios. Quem vive assim é o homem feliz.

CONCLUSÃO

É extremamente enriquecedor estudar e pesquisar o tema da ética Aristotélica. A importância da Ética à Nicômaco, aqui exposta, reside exatamente na sua primazia: foi o primeiro tratado sobre o agir humano da história, daí sua inegável importância para a história da filosofia. Foi possível, com este trabalho, dar atenção ao problema das relações entre os indivíduos, que é justamente a proposta e o objetivo da ética aristotélica.

Também há primazia na construção de uma ética científica; ela é classificada como uma ciência prática, como uma parte que antecede a política. Depois das ciências teoréticas, vêm as ciências práticas, que dizem respeito à conduta dos homens e o fim que eles querem atingir, seja como indivíduos ou como parte de uma sociedade política. O estudo da conduta e do fim do homem como indivíduo cabe à ciência ética.

Dentre as descobertas do trabalho, podemos apontar a responsabilidade; sem qualquer dúvida, Aristóteles afirma a necessidade da responsabilidade para uma ação ser considerada como moralmente válida; definitivamente, não há moralidade em uma ação irresponsável, ou naquela em que o sujeito não agiu com pleno conhecimento. Isto pode ser demonstrado na frase: O homem é responsável pelas suas atos como o é responsável pelos seus filhos. Ilustra claramente que, em face aos seus atos, o homem necessariamente é julgado.

Outra descoberta é a classificação das virtudes. Primeiramente Aristóteles faz uma distinção na alma humana: a que concebe um princípio racional e a desprovida de razão. Também dissemos que há no homem duas espécies de virtudes, as Intelectuais e as Morais; as virtudes intelectuais são resultado do ensino e necessitam de tempo; já as virtudes morais são resultado do hábito, e é pelo exercício que as adquirimos. Para isso resumimos neste trabalho treze virtudes morais, explicitando serem elas o meio-termo em relação a dois extremos viciosos. O próximo passo foi resumir as cinco virtudes intelectuais; chegamos à conclusão que as intelectuais são as melhores, porque a melhor parte do homem é aquela que concebe um princípio racional. Dentre as virtudes intelectuais, a sabedoria é superior.

Outra contribuição significativa desse trabalho foi ter esclarecido qual é o ideal de felicidade; a conclusão foi de que feliz é aquele que vive as virtudes dentro da pólis. É aquele que vive uma vida intelectual, sendo capaz de dirigir bem a vida, deliberando de modo correto o que é bem ou mal para si. É o exercício dessa virtude que constitui a perfeição da atividade contemplativa, e dessa forma que é possível alcançar a felicidade máxima.

Podemos avaliar a ética aristotélica, dizendo que sempre se pensa a ética na pólis; não há ainda a concepção de indivíduo separado de sua cidade. A vida ideal e feliz é a vida racional; essa vida feliz supõe a estima de si mesmo e a amizade.

Na ética Aristotélica, toda ação humana está orientada para a execução de algum bem, ao qual estão unidos o bem e a felicidade; o bem possui o caráter de causa final, que age sobre o agente. Mas há uma dificuldade em determinar em que consiste esse bem e essa felicidade, já que não há a identificação do sumo bem do homem com deus, a ele corresponde o bem mais alto em si mesmo. Para Aristóteles há muitos bens: uns são preciosos, dignos de estima como a virtude, a alma e o entendimento; outros são desejáveis, como as virtudes que servem para agir bem; outros, como a força, o poder, a riqueza e a beleza são simplesmente potências, que podem ser empenhadas para o bem ou o mal; outros, como a saúde e a ginástica, contribuem para a prática do bem; uns, como a justiça e as virtudes, são sempre desejáveis, e outros, como a força, a riqueza e o poder nem sempre o são; alguns bens possuem finalidade, como a saúde, outros são meios para consegui-la, como a medicina; alguns bens pertencem à alma, como a virtude, outros ao corpo, como a saúde e a beleza, outros são exteriores, como as riquezas. Usando o método da exclusão, descarta-se que os bens do homem sejam os prazeres sensíveis, tampouco consistem nas riquezas, que são apenas meios para a felicidade; tampouco a glória e a honra, que são apenas uma compensação na vida política. Para determinar quais são os bens e a atividade própria do homem, Aristóteles analisa as funções do ser humano: uma é viver, mas esta é comum aos homens e às plantas, outra é sentir, que também é comum ao homem e aos animais, a terceira, e a que distingue verdadeiramente o homem, é a atividade racional; portanto, essa é sua atividade própria, e assim a vida do homem deve consistir em viver conforme a razão. Mas isso não basta: a razão deve dirigir e regular todos os atos da vida do homem, e isto consiste essencialmente na vida virtuosa. E, como há muitas virtudes, esta fórmula deve completar-se dizendo que a perfeição do homem, logo, seu bem e sua felicidade, é a atividade dirigida pela virtude mais alta e elevada, a sabedoria, porque ela é a virtude das virtudes. No primeiro livro da Ética à Nicômaco, Aristóteles detém-se nesse ponto; mas no livro X, tratando do mesmo tema, ele declara que a vida ideal é a teorética e contemplativa, quer dizer, o exercício da atividade na sua potência mais alta, que é a sabedoria.

Há uma medida para todas as ações humanas, que é o justo-meio. A felicidade é definida como atividade da alma, dirigida pela virtude perfeita; é excelente e divina, mas não é presente dos deuses e nem produto do acaso, porque é preciso conquistá-la com muito exercício e muita prática da virtude. Para tanto é necessário indagar sobre a virtude e em que condição ela é um meio-termo para a felicidade. As virtudes morais consistem em ser um meio entre dois extremos viciosos; em toda quantidade é possível distinguir o excesso, o pouco e uma medida, que é o meio-termo; quando se trata de coisas, o meio-termo é aquele ponto que se encontra em igual distância entre dois pontos extremos, mas quando se trata do homem, o meio-termo é aquilo que não peca nem por excesso e nem por defeito, e esta medida muda muito e não é única para todos os homens. Como é difícil estabelecer o justo-meio em cada caso particular, deve-se deixar esta definição a uma pessoa sensata, que decida retamente; mas há casos em que não cabe estabelecer nenhuma medida, assim como em excesso não existe medida.

Dentre os limites, destaca-se primeiramente a necessidade da inserção do indivíduo na Pólis, há um certo intelectualismo na visão de vida ideal, tanto que há um problema: ser livre implica necessariamente em ser racional.

BIBLIOGRAFIA

  • ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá. Col. Os pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1973..
  • CHAUÍ, Marilena de Souza. Introdução à história da filosofia:dos pré-socráticos a Aristóteles, vol. 01. São Paulo: Brasiliense, 1994.
  • DURANT, Will. Os grandes pensadores. 7a ed. Trad. de Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
  • FRAILE, Guilhermo. História de la filosofía. 4a Ed. Madrid: Biblioteca de autores Cristianos, 1976.
  • LADRIERE, Jean. Os desafios da racionalidade. Petrópolis: Editora Vozes, 1979.
  • PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1954.
  • REALLE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da filosofiavol I. 2a Ed. São Paulo: Paulus, 1991.
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  • ROSS, Sir David. Aristóteles. Biblioteca de filosofia. Buenos Aires: sudamericana, 1957.
  • VERGNIÈRES, Solange. Ética e política em Aristóteles. Ed. Paulus.

Anexo I: QUADRO DAS VIRTUDES MORAIS

Sentimento ou paixão (por natureza) Situação em que o sentimento ou a paixão são sucitados Vício (excesso) (por deliberação e por escolha) Vício (falta) (por deliberação e por escolha) Virtude (justo meio) (por deliberação e por escolha)
Prazeres Tocar, ter ingerir Libertinagem Insensibilidade Temperança
Medo Perigo, dor Covardia Temeridade Coragem
Confiança Perigo, dor Temeridade Covardia Coragem
Riqueza Dinheiro, bens Prodigalidade Avareza Liberalidade
Fama Opinião alheia Vaidade Humildade Magnificência
Honra Opinião alheia Vulgaridade Vileza Respeito próprio
Cólera Relação com os outros Irascibilidade Indiferença Gentileza
Convívio Relação com os outros Zombaria Grosseria Agudeza de espírito
Conceder prazer Relação com os outros Condescência Tédio Amizade
Vergonha Relação de si com outros Sem-vergonhice Timidez Modéstia
Sobre a boa sorte de alguém Relação dos outros consigo Inveja Malevolêcia Justa apreciação
Sobre a má sorte de alguém Relação dos outros consigo Malevolência Inveja Justa indignação

CHAUÍ, Marilena de Souza. Introdução à história da filosofia:dos pré-socráticos a Aristóteles, vol. 01. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Anexo II: VIRTUDES INTELECTUALES (DIANOÉTICAS)

Entendimiento teórico o especulativo (sobre cosas necesarias):

Entendimiento intuitivo;

Ciencia Sabiduria.

Entendimiento directivo o práctico (sobre cosas contingentes):

1-    Arte;

2-    Prudencia: Individual

3-    Económica

Política: Legislativa, Deliberativa, Ejecutiva;

4-    Virtudes complementarias de la prudencia: Discreción, Perspicacia, Buen consejo.

FRAILE, Guilhermo. História de la Filosofía. 4a Ed. Madrid: Biblioteca de autores Cristianos, 1976.

Anexo III: VIRTUDES MORALES

Parte irracional del alma:

01-Fortaleza

02-Templanza

03-Pudor

Relaciones sociales del hombre com sus semejantes:

04-Liberalidad

05-Magnificencia

06-Magnanimidad

07-Dulzura

08-Veracidad

09-Buen humor

10-Amabilidad

11-Némesis

12-Justicia:

Natural

Política: No escrita. Costumbre

Escrita,  legal: Distributiva

Correctiva: Contractual o comercial

Judicial, vindicativa.

13-Equidad

FRAILE, Guilhermo. História de la Filosofía. 4a Ed. Madrid: Biblioteca de autores Cristianos, 1976.


[1] Fraile, Guilhermo. História da Filosofia. p 431 e 515-6

[2] EN I, 8 – 1099 a

[3] EN I, 8-1099 b

[4] E.N. II, 1 – 1103 b

[5] EN II, 2 –1104 a

[6] E.N. II, 4 – 1105 b

[7] E.N. II, 1 – 1110 a

[8] E.N. III, 5 – 1113 b 15.

[9] E.N. III, 5 – 1114 a 15

[10] E.N. III 6-9; 1115a /5 – 1117b/ 20

[11] E.N. III, 10-12; 1117b/ 25 – 1119b/ 20

[12] E.N. IV 1; 1119b/ 15 – 1122a/ 15

[13] E.N. IV 2; 1122a/ 20 – 1123a/ 30

[14] E.N. IV 3; 1123a/35 – 1125a /35

[15] E.N. IV 4; 1125b /1 – 1125b /25

[16] E.N. IV 5; 1125b /30 – 1126b /10

[17] E.N. IV 7-8; 1127a /15 – 1128b /5

[18] E.N. II 7; 1108a / 25

[19] E.N. II 7; 1108a / 30

[20] E.N. II 7; 1108a / 35

[21] E.N. II 7; 1108a / 35 – 1108b / 5

[22] EN, V 1-11; 1129a / 5 – 1138b / 15

[23] E.N. VI, 2; 1139a 20

[24] E.N. VI, 2; 1139a 30-35.

[25] E.N. VI, 3; 1139b 15

[26] E.N. VI, 11; 1143a 25

[27] E.N. VI, 12; 1143b 30

[28] E.N. VI, 12; 1144a

[29] E.N. VI, 12; 1144a 05

[30] E.N. VI, 12; 114a 10

[31] E.N. VI, 13; 1144b 35 – 1145a

[32] E.N. VI, 13; 1145a 10

[33]E.N. III, 5 – 1113 b 15.

[34] E.N. III, 5 – 1113b 10-18

[35] E.N. II, 1 – 1103b 01

[36] E.N. I, 12 – 1101b 30-35

[37] E.N. III, 5 – 1114a 5-15.

[38] E.N. III, 5 – 1114b 30-35

[39] E.N. III, 5; 1114a 15-25

[40] E.N. II, 1; 1103 20-25

[41] E.N. II, 2; 1103 b 25-30

[42] E.N. VIII, 02; 1155 b 30-35

[43] Guilhermo Fraile. História de la Filosofía.

[44] E.N. VIII, 12; 1161 b 25-30. 1169 b 01-10

[45] E.N. Idem 161 b. 15-20

[46] E.N. VIII, 8; 1159 a 25-35

[47] E.N. IX, 8; 1168 a 5-35

[48] E.N. X, 8; 1178 b 35 – 1179 a 05

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3 respostas para Texto: Ética a Nicômaco – Aristóteles

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